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Saturday, July 09, 2005

JOSÉ DO CARMO FRANCISCO

É sempre com prazer que leio José do Carmo Francisco, velho amigo e poeta que também dedica parte do seu tempo a estas lides da bola. Somos de clubes diferentes (ele do Sporting, eu do Benfica), mas isso que importa quando a amizade «é um posto», como diria o Baptista Bastos. A crónica que se segue foi-me oferecida pelo autor e também está publicada no http://animo.blogspot.com. Tem, para mim, a particularidade de falar de uma região que conheço bem, ilustrada com uma foto da bela praia fluvial da Fróia, onde costumo refrescar-me sempre que piso solo beirão.



A última aguardente do Tio Nascimento

Bebo devagar um cálice de aguardente branca e muito leve, puríssima e macia, tal como saiu do alambique no passado mês de Setembro. É uma aguardente que não pesa no estômago e que torna as digestões mais suaves. Mas não a posso gastar muito depressa porque esta aguardente é uma memória viva do meu Tio Nascimento e da sua Atalaia do Ruivo, paisagem perfeita entre sol e pó, entre pedras e pinheiros, entre água e vento. Lugar mágico onde a terra quase se junta ao céu numa espécie de oração sem palavras.
Dois dias antes de morrer com o coração cansado e incapaz de trabalhar mais, este homem que foi em novo ceifar todas as searas do Alentejo e das regiões espanholas fronteiriças, estava possuído de um vigor inesperado e obrigou os filhos e as noras a trabalhar ainda mais para entregar o bagaço e o folhelho da uva a um certo alambique para os lados da serra das Corgas. Depois foi fazer uma festa ao burro e enxotar as galinhas antes de olhar as cabras. Entretanto, morreu na grande cidade, um dia antes de fazer a intervenção cirúrgica que lhe poderia ter prolongado a vida, caso corresse bem. Mas não correu.
Hoje este gesto de beber um cálice de aguardente tem para mim o valor de um regresso. Esta bebida guardou a paisagem povoada pelo Tio Nascimento, entre o seu lugar de sempre, a sua casa dos ventos onde se vê ao longe um bocado de Espanha e mais perto a terra das cerejeiras em flor. Essa paisagem povoada onde o corpo do Tio Nascimento descansa no cemitério da Sobreira Formosa, mas onde o espírito circula no sabor macio e puro, leve e branco desta aguardente que não pesa no estômago. Porque incorpora a memória destilada de um homem cheio de humanidade.

José do Carmo Francisco

Friday, July 08, 2005

CALINADAS










(In «Correio da Manhã»)
Os preços são altos ou baixos e não caros ou baratos.

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«... Há ainda o indício de que Albarran se tenha apropriado de investimentos no estrangeiro, nomeadamente na Índia, onde, em 1999, foi iniciada a construção de uma instância de férias em parceria com uma entidade financeira indiana...»

(Licínio Lima, no «DN»)
Provavelmente, trata-se de uma «instância» de férias... judiciais... O que poderá instar um jornalista a escrever coisas destas?

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«... o Vitória de Setúbal é o melhor posicionado para...»

(Gonçalo Ventura - Jornal de Desporto - Antena 1)
Ó Gonçalo, «melhor» é o superlativo de «bom». O superlativo de «bem» é... «mais bem»!

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Ele «interviu», eu «reavejo», elas «haverão», tu «fizestes», «prespectiva»... eu sei lá que mais! É o ror diário de asneiras dos nossos «media» de maior audiência, com a rádio e o «Correio da Manhã» em lugar de tal destaque que, só deste último, se poderia fazer diariamente um glossário da asneira nacional.
É urgente que alguém proponha na Assembleia da República um modelo de exame para candidatos à carteira profissional de jornalista, locutor e quejandos. E digo na Assembleia da República porque este é um problema nacional, senão patriótico. Os portugueses não sabem falar a sua língua porque, além de mal ensinada e «desensinada» nas escolas, é hediondamente violada dia a dia pelos expoentes da comunicação nacional.
Mãos à obra na campanha «exame de português nas provas de selecção de profissionais da comunicação social»!

Francisco Rodrigues Pereira
Ciberdúvidas em risco de fechar

O Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, consultório linguístico na Internet com um arquivo de 16 mil questões, poderá encerrar até Setembro, caso não obtenha apoios financeiros.
De acordo com José Mário Costa, responsável pelo consultório em conjunto com a Sociedade de Língua Portuguesa, o Ciberdúvidas está em «grandes dificuldades», já com atrasos de pagamentos aos colaboradores, correndo o risco de encerrar.
Ao fim de oito anos e meio de existência, o site acumulou um arquivo de 16 mil respostas a dúvidas sobre ortografia, sintaxe e pronúncia da língua portuguesa, respondidas por uma rede de especialistas.
Fundado por José Mário Costa em conjunto com João Carreira Bom, o Ciberdúvidas é visitado diariamente por três mil a cinco mil pessoas e responde a uma média de 500 novas questões todas as semanas, feitas na sua maioria por estudantes e professores, mas também por jornalistas, advogados e médicos.
Depois da morte de João Carreira Bom em 2002, o site chegou a estar encerrado durante um ano, por falta de financiamento, pois o jornalista foi sempre o mecenas do projecto.
O Ciberdúvidas «é um serviço de interesse público, gratuito, sem fins lucrativos, que responde a dúvidas e promove o debate e a divulgação do português», sublinhou José Mário Costa em declarações à Lusa.
Recordou que o site chegou a ter apoios do Ministério da Cultura e do Programa Operacional para a Sociedade de Informação (POSI), que entretanto acabaram.
José Mário Costa afirma-se «em desespero», pois já tentou apoio mecenático de empresas públicas e privadas, que «não mostraram interesse» em financiar a sobrevivência do site, «porque não lhes dá muita visibilidade».
Contudo, nos contactos oficiais que tem mantido, teve a garantia da ministra da Educação, Maria de Lurdes Rodrigues, de que será destacado um professor para coordenar o consultório de perguntas do site.
Também está a tentar diligenciar contactos com o Ministério da Cultura e com o Instituto Camões, que coloca igualmente a hipótese de destacar um bolseiro para trabalhar no consultório.
Porém, apesar da boa vontade manifestada por algumas entidades oficiais, o projecto só se manterá se houver um apoio financeiro, pois o site «gera despesas mensais de cinco mil euros», segundo o responsável.
Uma das primeiras consequências da falta de verbas será a ausência de resposta a novas dúvidas colocadas, «porque deixará de haver dinheiro para pagar aos especialistas que as esclarecem», observou.
José Mário Costa comentou que em Espanha deverá surgir em breve um projecto semelhante, resultado da colaboração entre a agência de notícias espanhola (EFE), a televisão estatal (TVE) e o Instituto Cervantes (homólogo do Instituto Camões), com o objectivo de promover o castelhano e «evitar a descaracterização da língua».

LUSA
JOSÉ DO CARMO FRANCISCO

A poesia do futebol


[«Eles ganham mas à vezes perdem. Eles vivem mas às vezes morrem. Sempre que sofrem um golo impossível, sempre que no último minuto se deixam bater e um resultado muda, é uma pequena morte. Um esquecimento negro esconde no olhar dos adeptos todas as defesas, todas as intervenções positivas dos restantes minutos»]

«Os Guarda-Redes Morrem ao Domingo» é um livro de José do Carmo Francisco, escritor que tem no futebol uma das suas fontes de inspiração. A exemplo do norte-americano Ernest Hemingway, que fez de Espanha a sua segunda pátria e escreveu sobre as corridas de toiros, também José de Carmo Francisco conheceu a natureza profunda desse outro «ritual» que é um jogo de futebol, identificando-se com o jogador, assimilando-lhe a glória e a tristeza e transformando-as em poesia, «obrigando-nos» a uma reflexão sobre a própria vida. «Durante uma corrida sinto-me muito bem, tenho o sentimento da vida e da morte, do mortal e do imortal. Terminado o espectáculo, sinto-me muito triste, mas maravilhosamente bem», escreveu Hemingway, simbolizando nas corridas de toiros o conflito do homem com a morte.
Manuel Alegre, também autor de belos poemas sobre o futebol e os seus principais intérpretes, traçou assim o perfil de José do Carmo Francisco: «É um dos raros poetas portugueses que foram capazes de perceber a poesia do futebol. O primeiro poema que li dele, belíssimo, foi sobre Manuel Fernandes. Como Drumond de Andrade ou Cabral de Melo Neto, José do Carmo Francisco quebrou o tabu e o preconceito. Num tom por vezes coloquial, com um lirismo quase púdico e um sábio prosaísmo, ele sabe transmitir-nos o mistério e a magia do jogo, a festa e a tristeza, a angústia, a ânsia. É um excelente poeta que captou o essencial da poesia moderna e trouxe à nossa literatura um dado novo: a poesia do futebol. O ‘Mito de Pepe’ ou ‘Vasco em Elvas – 1946’ (ano em que o Belenenses foi campeão) são grandes poemas que merecem figurar em lugar de destaque em qualquer antologia da poesia portuguesa.»
Sportinguista, José do Carmo Francisco acompanha há vários anos o futebol jovem dos «leões» e escreve, semanalmente, crónicas no jornal do clube, além de ter colaborado em A BOLA. «Todos jogamos para não morrer, todos escrevemos para não morrer. Para mim, desde sempre e talvez para sempre, futebol e poesia são dois ramos da mesma árvore.»



1 - Manuel Alegre escreveu poemas dedicados a Eusébio, Chalana, Oliveira, Nené, Figo... O futebol também está presente nos seus livros, na sua poesia. Porquê?
- Porque o futebol, para mim, foi sempre uma espécie de educação sentimental. Aprendi a amá-lo ao colo do meu avô, que era músico e guarda-redes. É por isso que em todos os meus livros há poemas sobre futebol, na componente do louvor ao ídolo e na minha relação com este deporto.
2 - Apesar de muitos considerarem que o futebol actual é uma espécie de «mundo-cão», ainda assim consegue extrair-lhe poesia... Como é possível?
- É possível porque ainda vejo o futebol como espaço mágico de encontro e, sobretudo, escrevo sobre o que se passa dentro das quatro linhas. A poesia só acontece no relvado. Não é por acaso que só faço poemas dedicados aos jogadores. São eles os mágicos do relvado.
3 - É sportinguista e dedicou belos poemas a Peyroteo, Manuel Fernandes, Pedro Barbosa, Ricardo Quaresma, Hugo Viana, Cristiano Ronaldo... Mas nunca escreveu sobre Jardel...
- Um poema é como um beijo a uma mulher ou um aperto de mão a um homem, é um espaço de afecto. Jardel nunca me sugeriu qualquer poema. Entre nós nunca houve encontro, portanto, nunca houve poesia. Pertencemos a universos diferentes.
4 - O seu último livro tem um título insólito («Os Guarda-Redes Morrem ao Domingo») e uma organização pouco habitual (11 contos, 11 crónicas, 11 poemas). Qual a explicação?
- Do título, a explicação é simples: é um poema que escrevi quando soube que determinado guarda-redes tinha morrido num domingo à noite. Percebi que os guarda-redes morrem um pouco todos os domingos, sempre que alguém é injusto sobre a sua actuação. Em relação ao livro, há um elemento comum aos três géneros literários: o futebol como memória e espaço onde se projecta a ténue diferença entre glória e esquecimento.
5 - «Os Guarda-Redes Morrem ao Domingo» começou a ser escrito em 1982 e foi concluído em 1995. Entretanto, esteve sete anos à espera de ser publicado. Tem mais livros na «gaveta»?
- Como não podia deixar de ser, nestes últimos sete anos continuei a escrever e já tenho «material» para novo livro. Além dos poemas acumulados (alguns publicados em A BOLA), tenho ainda crónicas sobre emblemas de clubes que não couberam neste livro.

***

José do Carmo Francisco estreou-se na poesia com o livro «Iniciais» (1981), tendo ganho o Prémio Revelação da Associação Portuguesa de Escritores. Desde então publicou os seguintes livros: «Universário», «1983 – Um Resumo», «Transporte Sentimental», «Jogos Olímpicos», «Mesa dos Extravagantes», «As Emboscadas do Esquecimento», «De Súbito» e «Os Guarda-Redes Morrem ao Domingo». Organizou a antologia «O Trabalho» (1984), poemas sobre ofícios e profissões, na qual também estão representados os futebolistas, no belo texto dedicado ao malogrado Pavão, seguindo-se nova antologia, em 1989, desta vez denominada «O Desporto na Poesia Portuguesa».Participou no livro «Glória e Vida de Três Gigantes», com Homero Serpa e António Simões, numa edição de A BOLA.

Saturday, July 02, 2005

Já gastámos as palavras



Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes!
E eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.
Mas isso era no tempo dos segredos.
Era no tempo em que o teu corpo era um aquário.
Era no tempo em que os meus olhos
eram os tais peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco, mas é verdade:
uns olhos como todos os outros.

Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor...,
já não se passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.

Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.

Adeus.

Eugénio de Andrade

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