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Sunday, May 29, 2005


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Vitória de Setúbal conquista Taça de Portugal. Benfica falha a «dobradinha». Dos «pequenos» também reza a história. Não chega ter estatuto (de campeão) – é preciso mostrar estaleca no relvado. Não vi o jogo (a viagem de regresso a Lisboa foi longa e preferi ouvir boa música), mas disseram-me que a Taça assenta bem aos sadinos. A esta hora, o meu amigo Zé Manuel está, com toda a certeza, a festejar na Praça do Bocage. Toma nota: vais pagar «isto» com juros! Sabes que sou grande apreciador de salmonetes, naquele sítio que bem conheces...

Vivò Vitória de Setúbal!


Wednesday, May 25, 2005

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António Lobo Antunes, benfiquista confesso, deu em tempos uma entrevista à revista «Visão», da qual não resisto a transcrever este pedacinho:
Ainda sonha com a guerra [colonial]?
Apesar de tudo, penso que guardávamos uma parte sã que nos permitia continuar a funcionar. Os que não conseguiam são aqueles que, agora, aparecem nas consultas. Ao mesmo tempo havia coisas extraordinárias. Quando o Benfica jogava, púnhamos os altifalantes virados para a mata e, assim, não havia ataques.
Parava a guerra?
Parava a guerra. Até o MPLA era do Benfica... Era uma sensação ainda mais estranha, porque não faz sentido estarmos zangados com pessoas que são do mesmo clube que nós. O Benfica foi, de facto, o melhor protector da guerra. E nada disto acontecia com os jogos do Porto e do Sporting, coisa que aborrecia o capitão e alguns alferes mais bem nascidos. Eu até percebo que se dispare contra um sócio do Porto, mas agora contra um do Benfica?
Não vou pôr isso na entrevista...
Pode pôr... Pode pôr... Faz algum sentido dar um tiro num sócio do Benfica?

Baú de velharias



«Uma imagem vale mais que mil palavras». Não vou tão longe – direi, antes, que há imagens que valem mais que mil palavras. Sempre apreciei o «cartoon» (prefiro escrever assim, em vez de cartune), a caricatura… Conheci bons especialistas na matéria e guardo, religiosamente, uma caricatura do grande Francisco Zambujal. Também conheci José Pargana, homem de poucas palavras mas elegante no trato e no traço. Hoje em dia temos bons «cartoonistas», herdeiros de uma bela tradição do jornalismo português. É o caso de Luís Afonso, em «A Bola» e no «Público».
Ao remexer o baú de velharias, descobri algumas caricaturas publicadas do início do século passado, da autoria de F. Valença e Silva e Sousa, numa época em que republicanos e democratas se preparavam para derrubar a monarquia decadente. Alexandre Braga, considerado o mais extraordinário orador daquele tempo. Guerra Junqueiro, que deixou bem assinalado na sua obra o amor pela República. António José de Almeida, médico distinto que também teve papel relevante no derrube da monarquia. Ficou célebre a sua frase: «A monarquia é um parasita, uma lombriga vivendo no intestino da nação.» As dúvidas do último rei de Portugal, D. Manuel II, apresentado como Hamlet perante a sua coroa. Ser ou não ser rei, eis a questão que o atormentava e que foi resolvida, definitivamente, com a proclamação da República, em 5 de Outubro de 1910.
Aqui reproduzo quatro dessas caricaturas. As desculpas pela fraca qualidade das imagens, mas foi o que pude arranjar…








Tuesday, May 24, 2005

Calinadas



Título 1: «Quatro horas bem puchadinhas»
Título 2: «Exigo total apoio»

Repito o que já afirmei em «post» anterior: não sou saudosista nem perfeccionista. Errar é humano, mas quando os erros são frequentes, algo vai mal... Assim como o bisturi é ferramenta fundamental para o cirurgião, a língua deveria sê-lo, igualmente, para o jornalista. É triste ler, num jornal de grande circulação como «A Bola», calinadas de bradar aos céus. O mais grave é que tudo passa impune, já ninguém se preocupa que o português seja maltratado, nem ao menos os responsáveis editoriais. Os exemplos acima reproduzidos em imagem não são recentes, mas servem para ilustrar a ponta do icebergue. Leiam, a seguir, outra «relíquia» publicada nas páginas de a «Bíblia»:

«Com o final da temporada a aproximar-se a passos largos, começam agora as movimentações nos plantéis, com as entradas e saídas de jogadores a começarem a processar-se com alguma celeridade.
E uma das formações que começa já a reforçar-se é o Sporting, tendo contratado. (…) Desta forma processa-se um regresso a casa, uma vez que foi em Alvalade que começou a carreira. (…) E os jornalistas também já andam no mercado, tendo assegurado, também, a contratação do guarda-redes. (…) Uma vez que a temporada termina já no próximo mês, é natural que nos próximos dias surjam mais novidades no que a contratações e dispensas diz respeito.»

Ainda a propósito da escrita jornalística, reproduzo o mail que um professor do ensino primário, Óscar Guerreiro, em tempos me enviou:

Os meus alunos, sobretudo os das primeira e segunda classes, aprendiam a ler (e não só) com e pela «A Bola»… É com crescente mágoa e incómodo desprazer que assisto – num jornal que tenho como referência – aos maus tratos infligidos, ultimamente e com preocupante frequência, à «língua materna». Como é o caso que transcrevo: «O presidente encarnado torceu o nariz à sugestão, mas o jogador ficou entusiasmado e ontem Luís Filipe Vieira, após ter subscrevido (…), confirmou que o angolano (…)».
SUBSCREVIDO???!!! Nem dá para admitir a hipótese de «gralha tipográfica»… nem, com o maior respeito, o Mantorras teria «ESCREVIDO» assim…

É por estas e por outras que mantenho o que escrevi em «post» anterior, parafraseando Almada Negreiros: «Quero ser espanhol!!!»

Saturday, May 21, 2005

Divagações

Apesar das minhas lides cibernéticas, não dispenso a leitura de um bom livro. Luto contra a falta de tempo para saborear esse simples prazer, os dias são curtos, preciso de dedicar-me ao essencial. Tenho perdido imensas horas em conversas fúteis, por vezes sou escravo de «amizades» que, espremidas, deixam o copo ainda mais vazio. Bem sei que a solidão não é coisa que se recomende, às vezes contorcemo-nos com dor e precisamos de «sangrar». Viajar na «rede» ajuda a matar a solidão, conhecemos gente gira com quem se pode estabelecer um diálogo interessante. A moda dos «blogs» pegou e ainda bem... Têm sido, para mim, uma agradável surpresa. Fico maravilhado com textos de gente anónima, de grande capacidade criativa. Mas volto ao mesmo: a solidão! Desligo a máquina e fica o vazio. Um turbilhão de ideias assalta-me, imagino a pessoa que está no outro lado, alguém que escreve muito bem e com quem desejaria partilhar aquele momento.
De repente, a solução para aquele momento agitado, o livrinho que o Adriano me recomendou – «O Segredo de Joe Gould», do americano Joseph Mitchell. Assim «fintei» a solidão de uma noite branca... O sono chegou, finalmente, quando os raios de sol já inundavam a casa.
O livro é pequeno (150 páginas), fiquei «agarrado» e li-o de uma penada. Uma história muito bem urdida, na qual a ficção e a realidade se misturam de forma perfeita. O Adriano tem razão: chegamos ao fim e apetece-nos recomeçar. Lobo Antunes leu-o três vezes! Por mim, prometo não ficar por aqui e vou espreitar as livrarias para ver se encontro mais títulos de um tal Joseph Mitchell.

Friday, May 20, 2005

«Mar Adentro»

«Mar Adentro» é um filme que obriga a profunda reflexão sobre a vida e a morte, numa altura em que a eutanásia está na ordem do dia, na Europa e também nos Estados Unidos. Não consigo lidar bem com a morte (alguém consegue?). Tenho um medo desesperado de morrer, quando penso nisso. As considerações de Albert Camus sobre a morte, em o «Mito de Sísifo, só eram válidas para ele próprio. Enquanto via o filme espanhol, também pensei em Antero de Quental, Camilo, Hemingway... – escritores que fazem parte do meu panteão de «monstros sagrados» e que se suicidaram.
«Mar Adentro» ajuda, em parte, a compreender o mistério da morte. No caso de Antero, foi um combatente do destino, principalmente o dos outros. Nem a escrita o apaziguava. Quis morrer sozinho. Exigia uma vida ideal (tal como Ramon Sampedro, o personagem principal do filme), na qual os homens morreriam quando achassem justo.
Vivemos agarrados a uma nuvem. Custa-nos aceitar a morte, mas não sabemos bem se estamos seguros ou se vamos cair.
Saí do cinema e senti-me um Hamlet na plena pujança dos seus monólogos interiores. Apenas o meu «ser ou não ser» tem outra forma: pensar na morte e não viver ou viver e não pensar na morte?

PS– Excelente crónica da Cândida Pinto na revista «Única» do último «Expresso», também a propósito deste tema.
Perguntas menos inteligentes

Qualquer dia, de tão virtual, talvez me cresçam certezas na boca. Estou «viciado» na blogosfera e já tomei uma decisão: deixar de comprar jornais e revistas (outro vício...). Para quê?, se depois se amontoam em casa e acabam no lixo? Pelo menos aqui não sujo as mãos (os livros estão excluídos...) e descubro autênticas relíquias, até posso imprimi-las e lê-las mais tarde, de preferência à beira-mar.
Vem isto a propósito de mais um «blog» – «Ao Sabor da Aragem» –, digno de ser visitado e ao qual não resisto a «roubar» um «post» giro. O seu autor (pintor) merece toda a minha consideração, apesar de nunca nos termos cruzado. Não tem aspecto de ser jovem (na idade!), mas ainda assim não teve receio de avançar nestas estradas virtuais. Parabéns!


– Porquê a palavra «abreviação» é tão comprida?
– Porque é que para encerrar o Windows clicamos sobre o iniciar?
– Porque é que a limonada é à base de essências de limão e o detergente à base de limões verdadeiros?
– Porque não há comida para gato com sabor a rato?
– Porque é que uma comida para cão tem «gosto melhorado»? Quem a provou?
– Porque são esterilizadas as agulhas que usam na eutanásia?
– Se voar é uma coisa tão segura, porque chamam «terminal» ao aeroporto?
– Porque carregamos com mais força nos botões do telecomando quando as pilhas estão quase sem carga?
– Porque se lavam as toalhas de banho? Não é suposto estarmos limpos quando as utilizamos?
– Porque é que os pilotos kamikaze usavam capacetes?
– Como é que os cartazes «proibido pisar a relva» chegam ao meio dela?
– Quando o homem descobriu que a vaca dava leite, que pretendia ele, concretamente, fazer nesse momento?
– Se uma palavra está mal escrita num dicionário, como o saberemos?
– Porque é que o sacana do Noé não esmagou os dois mosquitos?
– Porque é que as ovelhas não encolhem quando chove?
– Porque é que «separados» se escreve com uma só palavra e «todos juntos» precisa de duas separadas?
– Porque é que os estabelecimentos abertos 24 horas por dia têm fechaduras e trancas?

Tuesday, May 17, 2005

Eminência parva



(In «O Jogo»)

Os bebés não vêm de Paris...

É possível garantir, com toda a certeza, que os bebés não vêm de Paris. As cegonhas, presume-se, descolam de Londres ou Nova Iorque e chegam em voo directo. Essa é a única explicação plausível para a anglodependência que caracteriza a fonética da maior parte dos jornalistas portugueses de rádio e televisão. Em muitos casos, chegam ao ponto de fazer um esforço maior para pronunciar bem o inglês do que o que aplicam no uso da língua portuguesa. De tal modo assim é que todas as palavras estrangeiras são pronunciadas à inglesa. Mesmo quando um discreto exercício lhes apontaria um caminho diferente.
Domingo, no «Jornal da Tarde» da RTP, o pivot pronunciou o nome do piloto francês de ralis, Sébastien Loueb, como se fosse inglês [sebástian]. Pergunto: sabendo-se que se tratava de um piloto francês, que o nome tem um acento no primeiro «e» e que em inglês não há acentos... como é possível ler aquele nome «à inglesa»?

Monday, May 16, 2005

«Obesidade infantil – uma nova epidemia»

«(…) Começo a compreender por que razão as nossas crianças estão todas a ficar gordas e não se interessam pelas matérias das aulas! Há uns anos, os miúdos chegavam da escola, faziam os deveres e, depois, iam para a rua correr de um lado para o outro, jogar à apanhada, às escondidas ou à bola. E hoje agarram-se à viciante PlayStation, mal entram em casa.»
Mail recente da Bárbara, professora atenta ao mundo das crianças. Vem a propósito: hoje li uma notícia relacionada com «obesidade infantil». Sabe bem fazer turismo (quase real...) numa «bomba» pelas estradas do Mónaco, da Sardenha..., mas cuidado com as calorias!

A médica nutricionista Isabel do Carmo defende a proibição de toda a publicidade televisiva a alimentos durante a programação infantil, por considerar que praticamente os produtos anunciados são hipercalóricos e pouco saudáveis.
Isabel do Carmo falava durante o seminário «Obesidade infantil - uma nova epidemia», organizado pela Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor (DECO) e a decorrer na Fundação Luso Americana (FLAD), em Lisboa.
Para a especialista em alimentação, a publicidade aos alimentos na televisão devia ser proibida, como já aconteceu noutros países, porque os produtos anunciados são praticamente todos hipercalóricos. «Seria uma forma de cortar o mal pela raiz», defendeu.
A DECO investigou pela primeira vez a publicidade e a alimentação das crianças em 2000 e, quatro anos depois, voltou a analisar esta matéria, tendo apurado nas duas investigações um «massacre diário de gordura, sal e açúcar».
Em 2000, a DECO analisou os anúncios transmitidos durante a programação infantil das três estações com maior audiência (RTP, SIC e TVI), complementando a investigação com um questionário a 400 crianças, dos seis aos dez anos. «As televisões portuguesas dedicam uma parte significativa, durante a programação infantil, a anúncios publicitários, sendo a maioria destes a produtos alimentares, cujo consumo deve ser reduzido numa dieta alimentar saudável e equilibrada», apurou a DECO.
Este estudo indicou que a maioria dos anúncios se referia a chocolates, cereais com açúcar e «fast-food», ou seja, «produtos pouco interessantes numa dieta saudável».
Quatro anos depois, a DECO voltou a este assunto e concluiu que, durante a programação infantil, a categoria de produtos mais publicitada é a dos bolos e chocolates, alimentos ricos em açúcar e gordura. Na estratégia de promoção dos produtos, a associação identificou «brindes, desenhos animados, mensagens que podem induzir em comportamentos errados e o uso da imagem da mãe».
Para Isabel do Carmo, o problema da obesidade infantil não se resolve apenas com a proibição da publicidade televisiva aos alimentos hipercalóricos: «As crianças precisam de fazer mais exercício físico, mas, para isso, as cidades têm de ser pensadas para elas.»
A médica preconiza ainda uma campanha nacional, «com os mesmos meios que dispõem as empresas para promover os alimentos hipercalóricos», a fim de prevenir a obesidade infantil.

Saturday, May 14, 2005

Luisão rima com... campeão

Uf! Finalmente consegui uns minutinhos para aconchegar o estômago e dar uma espreitadela nos mails e blogs de gente amiga. Estou cansado de bulir, de alinhavar palavras avulso sobre o «derby» de todas as emoções. Agora já posso descarregar o stress e manifestar o meu clubismo – coisa que não pude fazer enquanto estive a comentar o Benfica-Sporting para os leitores de A BOLA on-line.
Nestas coisas do futebol... é preciso ter fé. Sempre acreditei na vitória do Benfica, mesmo sabendo que o Simão está de rastos, que o Mantorras não pode decidir tudo. Marcou o Luisão, tanto faz... Ele está habituado a ir lá à frente... «Frango» do Ricardo? Paciência! Até gosto dele, é amigo de um amigo meu e, portanto, meu amigo é... Desculpa qualquer coisinha, ó Ricardinho, mas na quarta-feira sou bem capaz de gritar como o Perestrelo na meia-final de Alkmaar: «Eu te amo, Sporting!» Mas, hoje, deixa-me erguer um copo à vitória do Benfica...

PS – O Bairro Alto, de repente, vestiu-se de vermelho, a exemplo do arco-íris durante o Euro-2004. A malta do Benfica estava mesmo a precisar de uma alegria... Mas atenção: ainda falta empatar, pelo menos, no Bessa... É preciso ter esperança!
Vivò Benfica!
Futebol

«(…) até considero o futebol um jogo interessante, inteligente e emocionante, não vejo qualquer inconveniente nesta adesão ao desporto-rei. Estou, assim, em posição oposta àqueles que, não gostando de futebol, vêem no regresso deste entusiasmo um perigo iminente para o país. ‘Porque afasta os portugueses das coisas verdadeiramente importantes e da reflexão necessária sobre os seus problemas’, no dizer dos cépticos. Cada coisa no seu lugar. O futebol só é uma alienação para uma minoria que se envolve de forma completamente irracional e fanatiza o fenómeno desportivo.» (Emídio Rangel)

Concordo com a análise de Emídio Rangel. Joguei à bola (a reinar…), considero o futebol um belo desporto colectivo, um belo espectáculo, quer seja praticado por homens ou mulheres. Gosto de ir aos estádios (o da Luz, de preferência), mas sou cada vez mais espectador de sofá. Lenine disse que a religião é o «ópio do povo». Alguém já afirmou o mesmo, a propósito do futebol. Para mim, a questão é outra: o fundamentalismo irracional, esse sim, é o «ópio do povo». Sou muito bem capaz de ir ao futebol com amigos sportinguistas. Na final da Taça UEFA, estarei com eles a torcer pelo Sporting. Mas, hoje, sou cem por cento benfiquista! Doa a quem doer… Com desportivismo, claro!
Vivò Benfica!

Thursday, May 12, 2005

Sublimação

«O homem primitivo tinha um apurado instinto para a caça. Era dessa forma que se alimentava, pondo em prática a forma mais eficiente de matar a presa. Existia também o instinto para proteger o território e qualquer competidor era eliminado. Na história da humanidade, o século passado foi o mais sangrento de sempre, quando era suposto ser o mais civilizado. As conquistas científicas continuam a ser usadas para fins devastadores. Cada vez se descobrem formas mais sofisticadas para aniquilar os nossos competidores. Pense-se como, recentemente, quão rápido o fervor nacionalista inflamou a Bósnia e a Herzegovina, quão rapidamente se desfizeram os laços que uniam uma velha comunidade, quando professores, carpinteiros, negociantes, pessoas normais se lançaram numa tarefa devastadora. O nosso instinto está virado para a violência e para a crueldade. Mas o instinto predador também nos leva à descoberta. O último século também foi palco de grandes avanços. (...)»

Robert Wilson, autor de «Último Acto em Lisboa» e «O Cego em Sevilha», entre outros títulos. Vale a pena uma incursão pelos seus livros. Ajudam-nos a conhecer os instintos mais primários e, por outro lado, indicam-nos os caminhos da sublimação.

Wednesday, May 11, 2005

Na semana do Benfica-Sporting, que poderá resolver o título da Superliga, A BOLA tomou uma decisão editorial que gerou viva polémica no meio jornalístico e não só... Por entender que se trata de um tema com interesse, aqui reproduzo o editorial de A BOLA e algumas das reacções que o mesmo suscitou.

«A Bola» e a semana do futebol

O descontentamento foi-se generalizando, muitos dirigentes desportivos, no desempenho das suas importantes funções, foram perdendo o sentido do rigor, do bom senso e até das suas próprias responsabilidades desportivas e cívicas; os processos judiciais, ainda em desenvolvimento, vieram reforçar a dúvida quanto à honestidade do jogo e à transparência dos resultados; a arbitragem viu a sua credibilidade dizimada; os jogadores foram atirados para um estúpido degredo social, evitando a todo o custo qualquer discurso além do entediante lugar-comum; os técnicos vivem a amargura da necessidade do resultado imediato, como factor decisivo de sobrevivência profissional.
Ajudou-se, assim, a instalar um ambiente de guerrilha crónica, aqui e ali caótico na discussão, que agride quem gosta de futebol e, acima de tudo, paralisa a evolução do jogo e desrespeita a natural vocação dos estádios como espaços de festa e lugares de entretenimento, propícios, pois, a ser usufruídos pelas famílias, por crianças, por adolescentes e por adultos.
A tudo isto não queremos, nem podemos, ficar indiferentes. Por isso, A BOLA decidiu não pactuar com este estado de coisas, assumir-se como forte opositora da guerrilha institucionalizada no futebol e lançar o desafio do arranque de um movimento verdadeiramente regenerador, capaz de devolver ao jogo a sua alma, a sua essência de espectáculo mítico, vibrante, emotivo, apaixonado, mesmo. Capaz de defender o futebol português dos ventos da violência e da acção manipuladora do espectáculo.
Por isso A BOLA decidiu lançar esta semana, e, não por acaso, a semana de um jogo que será certamente decisivo para o título, como a SEMANA DO FUTEBOL.
Ao longo da semana, A BOLA compromete-se a não publicar, por opção editorial, todas as afirmações, venham de onde vierem, de dirigentes, de treinadores, de jogadores, de árbitros e até de colunistas, que de forma directa e declarada optem por expressões, atitudes, ou comportamentos que apelem à violência, ao desrespeito por princípios éticos desportivos ou à dúvida infundada sobre a integridade moral e cívica de qualquer cidadão que, por qualquer forma, seja protagonista no grande jogo ou em qualquer outro jogo da jornada.
Esta é a nossa decisão, amadurecida e desde já anunciada pela razão prioritária da relação de A BOLA com os seus leitores. Não seremos, pois, por decisão própria, veículos da violência verbal, da suspeição, da manipulação de todos os que entendem que tudo vale para atingir os fins, e que esperam, por isso, usar e abusar da imprensa desportiva.
Fazemo-lo em nome da defesa dos mais legítimos direitos de cidadania dos intérpretes do espectáculo; em defesa dos valores éticos e desportivos essenciais à credibilidade do jogo de futebol; em defesa da honestidade na relação com os nossos leitores, a quem certamente não servimos se nos conformarmos com a missão de meros agentes no acto premeditado da manipulação; mas, acima de tudo, creiam, tomámos esta opção em defesa do respeito que todos nós, aqui em A BOLA, temos por nós próprios.

«Catenaccio» jornalístico

Maio é mês de Maria e do Coração, mas a comunicação social parece querer acrescentar mais uma característica e transformar Maio em mês do estupor! Então não é que no dia 9 – primeiro dia de uma semana em que as atenções desportivas estarão centradas num Benfica-Sporting que irá decidir o título - «A Bola» anuncia em primeira página um período de tréguas? Durante esta semana, a jornalistas e colunistas daquele diário desportivo é imposto uma espécie de blackout, não lhes sendo reconhecido o direito de se pronunciar, ter atitudes ou comportamentos «que apelem à violência, ao desrespeito por princípios éticos desportivos ou à dúvida infundada sobre a integridade moral e cívica de qualquer cidadão que, por qualquer forma, seja protagonista no grande jogo ou em qualquer outro jogo da jornada».
Ficamos sem saber se esta atitude vale apenas para esta semana e a partir de segunda-feira será dada voz a todo o jaez de críticas e comentários, mas cá estaremos para ver. O que não deixa de ser curioso é que esta decisão editorial de «A Bola» tenha sido tomada precisamente nesta semana, ficando a dúvida se idêntica posição seria tomada, no caso de o «jogo do título» ser entre o FC Porto e o Benfica ou Sporting.
Tenho a minha opinião acerca da «bondade e oportunidade» desta medida. O que não tenho, infelizmente, é razões para dizer que se trata de uma medida saudável e exemplar. Afinal, uma andorinha não faz a Primavera e todos sabemos que estamos apenas perante uma iniciativa avulsa e sem continuidade, que em nada contribuirá para a melhoria do panorama da imprensa desportiva em Portugal.
Fica também por explicar, como é que um jornal «plural» se permite coarctar a liberdade de opinião dos seus colunistas, impondo-lhes restrições opinativas... E já agora vale a pena perguntar: se um colunista ou jornalista de «A Bola» presenciasse um encontro suspeito entre um dirigente de um dos clubes envolvidos e o árbitro do encontro (ou um jogador da equipa adversária em final de contrato), o jornal não divulgaria a notícia?
Para além das dúvidas expostas, fica-me ainda a curiosidade de saber como é que «A Bola» reagirá no dia em que um dirigente de um clube, alegando «a defesa dos interesses da equipa», volte a decretar o blackout informativo!
Carlos Barbosa de Oliveira (jornalista)

«A Bola» inicia «cruzada» sobre a informação desportiva

Na semana do derby lisboeta Benfica-Sporting, o jornal desportivo «A Bola» anunciou o seu contributo para a «regeneração» do futebol português, não alimentando as polémicas que antecedem o clássico.
O editoral de segunda-feira refere que o título pretende ajudar à pacificação do desporto-rei em Portugal, não publicando quaisquer afirmações que apelem à violência, ao desrespeito dos valores éticos, ou «dúvidas sobre a integridade moral e cívica de qualquer (...) protagonista nos jogos».
O director da publicação, Vítor Serpa, referiu ao DN que, numa semana em que o título da SuperLiga está a ser disputado por quatro equipas (Benfica, Sportig, FC Porto e Braga), «A Bola achou que devia tomar uma posição, pois tem a obrigação de não ser um jornal passivo». E assume esta atitude como «uma pedrada no charco» contra a manipulação que os diários desportivos têm sofrido. «Os jornais têm sido reféns dos clubes», mas isso não quer dizer que «vale tudo», afirmou o responsável de «A Bola».
A iniciativa arrancou esta semana e não garante que a partir de agora seja sempre assim. «Não queremos fazer um jornal angelical», observou Vítor Serpa. No entanto, quer que prossiga e crie «impacto junto dos leitores». O responsável tem consciência de que esta atitude poderá «ganhar em credibilidade e perder comercialmente», mas é um risco que está disposto a correr.
O director do diário desportivo garantiu ao DN que não foi possível concertar posições com os concorrentes «Record» e «O Jogo», porque as diferenças editoriais entre os três jornais «estão bem marcadas», mas apesar disso assegurou que seria interessante que no futuro «agissem no mesmo sentido».
O sociólogo do desporto António Sousa Santos, docente da Universidade Lusófona, revelou ao DN que tem dúvidas sobre as boas intenções desta atitude, porque «os jornais desportivos é que alimentam as guerrilhas do futebol e as difundem».
Para o investigador, este tipo de notícias vai aguçar a curiosidade dos leitores, o que faz desta decisão editorial uma simples «operação de marketing». «Pode ter um efeito de choque, mas é absorvido de imediato. O jornal A Bola está com problemas de consciência e com esta decisão não vai apagar qualquer fogo», acusou o sociólogo, garantindo, mesmo assim, que não perderá leitores, porque tem um «público fidelizado».
«Diário de Notícias»
Futebolês




In «Record» (Falta para grande penalidade…)






«Depois de um quiproquó com mesas e cadeiras, a polícia interviu...» (José Carlos Soares – Antena 1)

«...Os leões são o clube português melhor colocado...» («Diário de Notícias»)

«Não vão haver nomeações...» (TVI)

«É um árbitro que faz normalmente fracos desideratos exibicionais» (Jorge Coroado, na Antena 1)

Sunday, May 08, 2005

Em memória de Jorge Perestrelo

Andou descalço pelos areais do Lobito. Chorava ao recordar o cheiro da terra molhada, os flamingos, o pôr-do-sol... Jorge Perestrelo, provavelmente o melhor narrador desportivo em Portugal, o homem da «ripa-na-rapaqueca», faleceu na sexta-feira. O seu coração era do tamanho do mundo, mas não resistiu... Tinha 56 anos e muitas estórias para contar. Deixou Angola há cerca de 30 anos, mas Portugal não foi a sua primeira paragem: «Nunca me arrependi de ter escolhido o Brasil. Foi lá que aprendi as maiores lições da minha vida. Aqueles cinco anos deram-me uma capacidade enorme para gerir os problemas do dia-a-dia.» Na quinta-feira, enquanto via o jogo do Sporting, na Holanda, ouvia o relato do Perestrelo. Era meu hábito desligar o som da televisão e sintonizar a TSF. Ele não se limitava a relatar as incidências dos jogos – ia mais longe, transmitia-nos emoção, naquele seu jeito inconfundível. Releio a entrevista de Jorge Perestrelo ao «Libero», em 4-10-2003, e não resisto a transcrever algumas passagens:

«Tive a infância que gostaria de ter dado aos meus filhos e não tive oportunidade. Em Angola, tinha liberdade para crescer, o horizonte longínquo e a possibilidade de interiorizar valores que considero fundamentais como a honestidade, a camaradagem, a autenticidade e a lealdade.»

«Costumo dizer que no Brasil fui pé-descalço e beija-mão. Estive quatro dias sem ter pão para comer, durante 15 dias dormi no vão de umas escadas, em São Paulo, ao lado de um velhote que me deu guarida e passava o dia na zona financeira de São Paulo, a pedir esmola. No final do dia, dividia comigo as esmolas para podermos comer.»

«Quando deixei Angola, pensei que era só por uns meses e que, pouco tempo depois, estaria de volta. Infelizmente, não foi assim... A guerra não permitiu que regressasse. Cheguei a Portugal em 1980 e devo dizer que tive momentos muito complicados de adaptação.»

«Fiz uma promessa, uma jura, de que só voltaria a Angola quando houvesse paz. Quando houve um acordo de paz, em 1992, regressei. Estava para ficar lá um mês e acabei por regressar ao fim de quatro dias, porque tive uma descarga emocional. O médico da Selecção portuguesa observou-me e mandou-me de imediato para Portugal.»

«Ando aí nos kizombas da noite com malta de Angola. Já tive cinco discotecas africanas, em Lisboa. Em quase todas fui vigarizado. Adoro quando entro numa discoteca africana e ouço: ‘Olha, vem aí o kota Perestrelo!’»

«Quero morrer em Angola! Só peço a Deus que me dê condições para criar os meus filhos, libertá-los para a vida e poder regressar mais tarde. Sonho, um dia, levá-los a conhecer a minha terra, a minha gente. Quero muito que a minha filha conheça o rio que lhe deu o nome: Luena. Que saudades de mergulhar naquele rio que me viu nascer! Ao meu filho, quero mostrar-lhe todos os locais do Lobito onde fui feliz; aquelas praias onde eu corria livre; os locais onde andei a roubar cana-de-açúcar, coco e manga; os flamingos e o pôr-do-sol; sentir o cheiro da terra molhada… São projectos que quero realizar, mal tenha condições para isso.»

«Não posso renegar um país [Portugal] que me recebeu de braços abertos, que me tratou muito bem. Não posso ser ingrato! Penso que tenho capacidade para ser as duas coisas. Costumo dizer que sou um luso-afro-brasileiro.»

«O ‘mataco’, o ‘catumba’, a ‘rivienga’... Foi fácil! Foi só trazer para a narração desportiva tudo aquilo que aprendi na infância, quando ia aos estádios de futebol. Creio que foi essa a receita para que a maioria das pessoas goste de mim e do meu trabalho.»

«Curiosamente, a expressão ‘ripa-na-rapaqueca» foi-me transmitida por um português. O ‘ripa’ não… Já era utilizada em Angola e significava ‘chuta’. Quanto a ‘rapaqueca’, nasceu na Rádio Comercial, onde eu trabalhava na altura. Havia um técnico, já falecido, que apanhava grandes bebedeiras. Um dia, entrei no bar e ele disse-me: ‘Olha lá, ó meu, eu não gosto de ti nem um bocadinho, mas tu és o maior da rapaqueca.' Apanhei a ideia e nunca mais a larguei. Gosto de utilizar as expressões do povo.»

«Qual é o meu clube? Antes da revolução em Portugal, era do Benfica; em Angola, era do FC Lobito, uma filial do FC Porto. Há muitos anos que não tenho clube, mas o engraçado é que, quando vou à Luz, chamam-me ‘lagarto’…; e quando vou a Alvalade, chamam-me ‘lampião’… Nos estádios grandes do futebol português, estou sempre sujeito a levar no focinho…»

Friday, May 06, 2005

«Estórias»

«Então a palavra história agora escreve-se sem agá?!», questionou-me pessoa amiga, a propósito de um textinho no qual escrevi «estória». Tive o privilégio de privar de perto com Carlos Pinhão, um dos maiores contadores de «estórias» que conheci (o outro foi Manuel da Fonseca). Os seus livros contam-nos «estórias» deliciosas. Beber no quotidiano e transformá-lo, era a sua arte; escrever com graça sobre futebol fazia igualmente parte dos seus múltiplos talentos: jornalismo, teatro, literatura juvenil, humor, poesia...
A primeira vez que li a palavra «estória» (hoje de uso corrente) foi num texto de Carlos Pinhão. Questionei-o e ele disse-me que era para distinguir a(s) pequena(s) história(s) da grande História (cronológica). Aliás, como tantas outras expressões que ele inventava para dar cor à prosa, torná-la mais atraente. Afinal, a língua não é imutável e, hoje em dia, a palavra «estória» até já está registada nalguns dicionários.

Num ano qualquer,
houve uma batalha qualquer,
numa terra qualquer,
entre um rei qualquer e outro rei
qualquer.
No fim, um anjo qualquer
desceu no campo de batalha,
pegou nos cadáveres do rei qualquer
e do rei qualquer
e perguntou para um deus qualquer:
– Qual quer?


Carlos Pinhão
Futebolês

«A gente tem de pensar mais na gente, porque a gente só depende da gente para sermos campeões.»

(João Moutinho, futebolista do Sporting)

Tuesday, May 03, 2005

Em memória de Salgueiro Maia

Era uma vez um país cinzento onde nada acontecia... Ou melhor, as coisas e as pessoas aconteciam e nasciam, mas logo que acabavam de acontecer e de nascer, a cor era-lhes retirada, tudo passava a ser cinzento como nos noticiários da televisão da época. Até que... às 4.26 horas do dia 25 de Abril, no Rádio Clube Português, Joaquim Furtado lê, pausadamente, o primeiro comunicado do MFA:
«Aqui, posto de comando do Movimento das Forças Armadas.
As Forças Armadas portuguesas apelam a todos os habitantes da cidade de Lisboa no sentido de recolherem a suas casas, nas quais se devem conservar com a máxima calma. Esperamos, sinceramente, que a gravidade da hora que vivemos não seja tristemente assinalada por qualquer acidente pessoal, para o que apelamos para o bom senso dos comandos das forças militarizadas, no sentido de serem evitados quaisquer confrontos com as Forças Armadas. Tal confronto, além de desnecessário, só poderá conduzir a sérios prejuízos individuais que enlutariam e criariam divisões entre os portugueses, o que há que evitar a todo o custo. Não obstante a expressa preocupação de não fazer correr a mínima gota de sangue de qualquer português, apelamos para o espírito cívico e profissional da classe médica, esperando que se dirija aos hospitais, a fim de prestar a sua eventual colaboração, que se deseja, sinceramente, desnecessária.»

... No Terreiro do Paço surgem cinco carros de combate M/47 de Cavalaria 7, seguidos de atiradores do Regimento de Infantaria 1, da Amadora, e alguns soldados da PM de Lanceiros 2. Um brigadeiro comanda a coluna. Salgueiro Maia, de braços erguidos, agitando um lenço branco, tenta o diálogo, mas o brigadeiro não aceita encontrar-se com ele a meio caminho. Dá ordem a um alferes que abra fogo. O jovem não obedece. Irado, o brigadeiro repete a ordem directamente aos apontadores dos carros e aos atiradores de infantaria. Salgueiro Maia está a descoberto, debaixo da mira das torres dos blindados e das espingardas dos atiradores. Nem as tripulações dos carros nem os outros soldados obedecem. Dando vozes de prisão a torto e a direito, disparando para o ar, o brigadeiro salta do carro e desaparece. Toda a coluna fica sob as ordens do capitão Maia.

... Naquele dia de Abril de 1992, no cemitério de Castelo de Vide, desceu à terra, num modesto caixão, o corpo de um dos homens que mais contribuíram para a conquista da liberdade. «O gajo ganhou», disse Salgueiro Maia a um oficial da EPC, referindo-se ao cancro, quando se convenceu do carácter terminal da sua doença.
«Era um ambiente indescritível. Os cravos vermelhos enfiados nos canos das G3, os populares a vitoriar os soldados... Quando cheguei ao Quartel do Carmo, vi-me envolvido por uma multidão que enrouquecia a cantar o Hino Nacional. Foi o momento mais digno da minha vida.»
Obrigado, capitão de Abril!

Aquele que na hora da vitória
Respeitou o vencido
Aquele que deu tudo e não pediu a paga
Aquele que na hora da ganância
Perdeu o apetite
Aquele que amou os outros e por isso
Não colaborou com a sua ignorância ou vício
Aquele que foi «fiel à palavra dada à ideia tida»
Como antes dele mas também por ele
Pessoa disse

(Sophia de Mello Breyner)
A minha pátria é a língua portuguesa

Não choro por nada que a vida traga ou leve. Há, porém, páginas de prosa que me têm feito chorar. Lembro-me, como do que estou vendo, da noite em que, ainda criança, li pela primeira vez numa selecta o passo célebre de Vieira sobre o Rei Salomão, «Fabricou Salomão um palácio...» E fui lendo, até ao fim, trémulo, confuso; depois rompi em lágrimas felizes, como nenhuma felicidade real me fará chorar, como nenhuma tristeza da vida me fará imitar. Aquele movimento hierático da nossa clara língua majestosa, aquele exprimir das ideias nas palavras inevitáveis, correr de água porque há declive, aquele assombro vocálico em que os sons são cores ideais – tudo isso me toldou de instinto como uma grande emoção política. E, disse, chorei; hoje, relembrando, ainda choro. Não é – não – a saudade da infância, de que não tenho saudades: é a saudade da emoção daquele momento, a mágoa de não poder já ler pela primeira vez aquela grande certeza sinfónica.
Não tenho qualquer sentimento político ou social. Tenho, porém, um alto sentimento patriótico. A minha pátria é a língua portuguesa. Nada me pesaria que invadissem ou tomassem Portugal, desde que não me incomodassem. Mas odeio, com ódio verdadeiro, com o único ódio que sinto, a página mal escrita, a sintaxe errada, a ortografia sem ípsilon, como escarro directo que me enoja independentemente de quem o cuspisse.
Sim, porque a ortografia também é gente.

Fernando Pessoa

Monday, May 02, 2005

Reencontro com Fernando Grade

Isto de trabalhar no Bairro Alto tem que se lhe diga! Saímos e entramos logo noutra «onda», que tanto pode ser líquida ou gasosa, metálica, hip-hop ou rasta, enfim, depende dos gostos... Por mim, prefiro a «onda» da conversa: Páginas Tantas, Pedro V, Snob... Gosto do «Bairro», das casas e das pessoas que enxameiam estas ruas em busca de um pouco de convívio, da cervejaria Trindade, espaço de eleição que em tempos foi loja maçónica e onde passei momentos únicos, «à bebida e à conversa» com gente amiga.
Há dias dei um salto à galeria da Trindade, para espreitar uma exposição de fotografia. Deparou-se-me o Fernando Grade – esse mesmo, o poeta desintegracionista e militante, o pintor da «teoria das multidões», sem a bóina basca mas ainda assim no seu estilo inconfundível de «vagabundo», autor de «Sangria», «O Vinho dos Mortos», «Museu das Formigas», «O Cadáver de Fernando Pessoa» e tantos outros títulos. A última vez que nos cruzámos foi em Sintra. Então como agora, o poeta tirou da sacola uma mão-cheia de livros: «Toma! Este é oferecido, estes dois pagas quando quiseres!» «Este» é o seu último livro de poesia, «Os Meus Olhos Pegaram em Facas», uma antologia pessoal de «haikku», poemas curtos, frases incisivas; «estes» são as duas últimas antologias de poesia das Edições MIC (coordenação do mesmo FG). O Fernando é um militante da poesia. Reencontrá-lo foi um enorme prazer. Gosto desta gente despida de vaidade, carregada de sonhos e poemas.

«(...) escrevo muito em função dos acasos objectivados, de palavras ou intenções que funcionam como detonador. (...) actuo, bastas vezes, como o vedor que leva a varinha nas mãos e diz, rigorosamente, onde se deve abrir o poço!» (Fernando Grade)

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