Thursday, April 28, 2005
VALHA-ME SIGMUND FREUD!
Não é da idade, juro, esta sina de me esquecer dos nomes das pessoas. Fixo as caras, os locais, mas quanto a nomes... nada! Ainda adolescente, li um ensaio de Freud («Psicopatologia da Vida Quotidiana») em busca de resposta. Pouco entendi! Feito adulto, reli-o, pensando que derivasse da verdura juvenil a minha incapacidade de alcançar luz sobre a leitura freudiana. Continuei na mesma, como igual permanece esta minha fraqueza. Num restaurante, surge alguém que não vejo há anos; no cinema, cruzo-me com uma cara bem conhecida – mas o nome não me ocorre.
Um amigo meu já sabe que o truque é afastar-se discretamente por uns instantes, para eu não ter de apresentá-lo, porque passados uns segundos a imagem vaga começa a delinear-se-me em contornos claros... e o nome estala. Outras vezes demora mais tempo. Não raro surge quando vou a conduzir ou antes de adormecer.
Já percebi que tem a ver com o contexto. Se em Lisboa encontro alguém que conheci no Algarve ou em Montes da Senhora se me depara um sujeito que encontrei em Castelo Branco, fico despistado. Há dias, num restaurante do Bairro Alto, dei comigo a conversar com um personagem familiar. Foi o meu último acidente! O seu nome ficou-me encalhado num neurónio qualquer... Eu dava voltas ao miolo para encontrar uma saída e arrisquei: «Ó Carvalho Araújo, ainda trabalhas no Diário de Notícias?»
Ele veio em meu socorro: «Acho que estás a fazer confusão... Carvalho Araújo é o nome de uma rua ali para os lados da Praça do Chile. Eu sou o... Carvalho dos Santos!»
Fiquei aborrecido e revelei-lhe esta antiga falha de um fusível na minha memória. Que se mistura, por vezes, com outra deficiência: perder-me nos parentescos. Quando me dizem que X é sobrinho-neto do pai de Y, boa noite! Quando a minha mãe me telefona a dizer que faleceu o fulano tal que era casado com a fulana tal, primo de não sei quem, e se põe a dissertar sobre as ligações genealógicas, peço-lhe que apresente os meus pêsames aos familiares e... mudo de assunto!
Valha-me Sigmund Freud!
Não é da idade, juro, esta sina de me esquecer dos nomes das pessoas. Fixo as caras, os locais, mas quanto a nomes... nada! Ainda adolescente, li um ensaio de Freud («Psicopatologia da Vida Quotidiana») em busca de resposta. Pouco entendi! Feito adulto, reli-o, pensando que derivasse da verdura juvenil a minha incapacidade de alcançar luz sobre a leitura freudiana. Continuei na mesma, como igual permanece esta minha fraqueza. Num restaurante, surge alguém que não vejo há anos; no cinema, cruzo-me com uma cara bem conhecida – mas o nome não me ocorre.
Um amigo meu já sabe que o truque é afastar-se discretamente por uns instantes, para eu não ter de apresentá-lo, porque passados uns segundos a imagem vaga começa a delinear-se-me em contornos claros... e o nome estala. Outras vezes demora mais tempo. Não raro surge quando vou a conduzir ou antes de adormecer.
Já percebi que tem a ver com o contexto. Se em Lisboa encontro alguém que conheci no Algarve ou em Montes da Senhora se me depara um sujeito que encontrei em Castelo Branco, fico despistado. Há dias, num restaurante do Bairro Alto, dei comigo a conversar com um personagem familiar. Foi o meu último acidente! O seu nome ficou-me encalhado num neurónio qualquer... Eu dava voltas ao miolo para encontrar uma saída e arrisquei: «Ó Carvalho Araújo, ainda trabalhas no Diário de Notícias?»
Ele veio em meu socorro: «Acho que estás a fazer confusão... Carvalho Araújo é o nome de uma rua ali para os lados da Praça do Chile. Eu sou o... Carvalho dos Santos!»
Fiquei aborrecido e revelei-lhe esta antiga falha de um fusível na minha memória. Que se mistura, por vezes, com outra deficiência: perder-me nos parentescos. Quando me dizem que X é sobrinho-neto do pai de Y, boa noite! Quando a minha mãe me telefona a dizer que faleceu o fulano tal que era casado com a fulana tal, primo de não sei quem, e se põe a dissertar sobre as ligações genealógicas, peço-lhe que apresente os meus pêsames aos familiares e... mudo de assunto!
Valha-me Sigmund Freud!
Tuesday, April 26, 2005
Chamem o corpo de intervenção!
Repórter de campo da TVI, durante o Estoril-Benfica: «... a polícia não interviu...». Pois não, mas para erros destes até devia... intervir com o... corpo de intervenção! Veio depois outro repórter e falou do «flash interviu». É o chamado jogo de equipa!
Já agora, ficam também a saber que «recepcionar», utilizado como verbo transitivo directo, é um regionalismo brasileiro que significa «receber (alguém) com deferência, em estação, cais, aeroporto etc., com ou sem aparato». Para o comentário futebolístico, o correcto, mesmo, é «receber». Além de mais simples…
Repórter de campo da TVI, durante o Estoril-Benfica: «... a polícia não interviu...». Pois não, mas para erros destes até devia... intervir com o... corpo de intervenção! Veio depois outro repórter e falou do «flash interviu». É o chamado jogo de equipa!
Já agora, ficam também a saber que «recepcionar», utilizado como verbo transitivo directo, é um regionalismo brasileiro que significa «receber (alguém) com deferência, em estação, cais, aeroporto etc., com ou sem aparato». Para o comentário futebolístico, o correcto, mesmo, é «receber». Além de mais simples…
Os erros de Marcelo
Marcelo Rebelo de Sousa é um comentador de acontecimentos políticos, protagonista de um programa intitulado «As Escolhas de Marcelo», emitido aos domingos no primeiro canal da televisão pública portuguesa, RTP. No domingo, dia 17 de Abril, resolveu alargar o âmbito do seu comentário e criticar erros de políticos na utilização da língua portuguesa. Mas... diz o povo, no seu entendimento de séculos, «olha para ti e fica-te por aí» ou «no melhor pano cai a nódoa». E desta vez caiu. E não foi uma, não; foram, pelo menos, seis. A mostrar que todos, quando falamos e estamos preocupados mais com o conteúdo que com a forma, por vezes cometemos erros, e por isso não nos fica bem criticar tão fortemente os outros, desvalorizando o contexto em que ocorreram esses erros criticados (num caso, um erro quase no final de uma entrevista de uma hora em directo; nos outros, um erro em discurso espontâneo, de improviso). Efectivamente, o referido comentador, no programa desse domingo, além de utilizar um registo de língua com expressões familiares e populares, algumas de gosto discutível (por exemplo, «um bocado chato»), cometeu erros de diversa natureza.
1. Começo pelo erro de pronúncia. A palavra vereadores foi pronunciada com «e» mudo na sílaba inicial. Ora, vereadores tem um som aberto na sílaba inicial, tal como vereação ou verear.
2. O segundo é um erro vulgaríssimo, que, de tão vulgar, talvez um dia passe a inserir-se na norma. Trata-se da utilização de «ter que» em vez de ter de. A propósito do CDS/PP, o comentador utilizou as seguintes expressões: «Tem que apanhar o comboio cavaquista», «tem que ir numa carruagem cómoda», «tem que começar a definir», «tem que fazer coligações com», etc.
Ora, no sentido de assumir uma obrigação, ser obrigado a fazer algo, a expressão correcta é ter de: «Tem de apanhar», «tem de começar», etc. Ter que utiliza-se no sentido de «ter algo para», como, por exemplo, «ele tem que fazer», significando que «tem alguma coisa para fazer», «tem trabalho para fazer». Se se pretendesse dizer que ele «deve fazer», que ele «está obrigado a fazer» algo, então a expressão seria «ele tem de fazer», seguida do complemento directo, como acontece, por exemplo, na frase «ele tem de fazer uma opção», que significa «ele é obrigado a fazer uma opção».
3. O terceiro erro consistiu na utilização da expressão «custou caríssimo», no sentido de «custou muito dinheiro», «importou em muito dinheiro», quando se referiu ao custo da Casa da Música, no Porto. Ora, «custar caro» é uma expressão que se utiliza em sentido figurado para referir as consequências dolorosas de uma atitude, o facto de ter ocasionado grande sacrifício, como por exemplo: «Fiz o que queria, mas custou-me caro.» Não era o caso. Para referir o custo real de algo, o valor que foi pago, como se pretendia, poderia dizer-se «foi caríssimo», «ficou caríssimo». E se se quisesse utilizar o verbo custar, então ele deveria ser seguido de um substantivo, numeral ou advérbio de quantidade (e não de um adjectivo): «Custou milhares de euros», «custou uma fortuna», «custou muito dinheiro», etc.
4. O quarto é um erro de troca de fonemas. Na escrita, seria um erro de ortografia. O comentador empregou a palavra «turculento» (referindo-se ao presidente do Governo Regional da Madeira), em vez de «truculento», que seria a palavra correcta.
5. O quinto é um erro de regência verbal. Ainda a respeito da Casa da Música, à pergunta da jornalista se já lá tinha ido («já foi lá?»), o comentador responde: «Não fui dentro, mas estive fora e vi o projecto e tal...» A construção «não fui dentro» está errada. A construção correcta poderia ser uma destas: «não entrei», «não vi por dentro», «não estive lá dentro», «não fui lá dentro». «Ir dentro» tem, em calão, outro significado, que não era o pretendido pelo comentador. E «estive fora» também não é a expressão adequada neste contexto, por razões semelhantes.
6. Por último, referindo-se ao PP, o comentador disse que a sua ideologia é de «inspiração teoricamente meia democrata-cristão». Nesta expressão, não há um, mas dois erros. Além do erro de concordância entre a palavra «inspiração» e o adjectivo (que deveria estar no feminino: democrata-cristã), existe um erro na utilização da palavra «meia». O comentador deveria ter dito «inspiração meio democrata-cristã», pois a palavra meio é aqui um advérbio e não um adjectivo. É um advérbio que está a modificar o adjectivo «democrata-cristã».
Tais erros talvez possam ter ocorrido num acto de preocupação pelo conteúdo, mais que pela forma, e por se tratar de um discurso não totalmente preparado (uma vez que decorreu da conversa que foi fluindo). Não duvidamos de que o comentador domina melhor a língua que aquilo que mostrou neste programa e que levou a que fosse surpreendente a crítica mordaz que fez às incorrecções linguísticas dos políticos visados.
O que não invalida, é bom que se saiba, que todos devamos porfiar por falar bem a língua portuguesa, afinal o traço comum que nos une.
Maria Regina Rocha
Marcelo Rebelo de Sousa é um comentador de acontecimentos políticos, protagonista de um programa intitulado «As Escolhas de Marcelo», emitido aos domingos no primeiro canal da televisão pública portuguesa, RTP. No domingo, dia 17 de Abril, resolveu alargar o âmbito do seu comentário e criticar erros de políticos na utilização da língua portuguesa. Mas... diz o povo, no seu entendimento de séculos, «olha para ti e fica-te por aí» ou «no melhor pano cai a nódoa». E desta vez caiu. E não foi uma, não; foram, pelo menos, seis. A mostrar que todos, quando falamos e estamos preocupados mais com o conteúdo que com a forma, por vezes cometemos erros, e por isso não nos fica bem criticar tão fortemente os outros, desvalorizando o contexto em que ocorreram esses erros criticados (num caso, um erro quase no final de uma entrevista de uma hora em directo; nos outros, um erro em discurso espontâneo, de improviso). Efectivamente, o referido comentador, no programa desse domingo, além de utilizar um registo de língua com expressões familiares e populares, algumas de gosto discutível (por exemplo, «um bocado chato»), cometeu erros de diversa natureza.
1. Começo pelo erro de pronúncia. A palavra vereadores foi pronunciada com «e» mudo na sílaba inicial. Ora, vereadores tem um som aberto na sílaba inicial, tal como vereação ou verear.
2. O segundo é um erro vulgaríssimo, que, de tão vulgar, talvez um dia passe a inserir-se na norma. Trata-se da utilização de «ter que» em vez de ter de. A propósito do CDS/PP, o comentador utilizou as seguintes expressões: «Tem que apanhar o comboio cavaquista», «tem que ir numa carruagem cómoda», «tem que começar a definir», «tem que fazer coligações com», etc.
Ora, no sentido de assumir uma obrigação, ser obrigado a fazer algo, a expressão correcta é ter de: «Tem de apanhar», «tem de começar», etc. Ter que utiliza-se no sentido de «ter algo para», como, por exemplo, «ele tem que fazer», significando que «tem alguma coisa para fazer», «tem trabalho para fazer». Se se pretendesse dizer que ele «deve fazer», que ele «está obrigado a fazer» algo, então a expressão seria «ele tem de fazer», seguida do complemento directo, como acontece, por exemplo, na frase «ele tem de fazer uma opção», que significa «ele é obrigado a fazer uma opção».
3. O terceiro erro consistiu na utilização da expressão «custou caríssimo», no sentido de «custou muito dinheiro», «importou em muito dinheiro», quando se referiu ao custo da Casa da Música, no Porto. Ora, «custar caro» é uma expressão que se utiliza em sentido figurado para referir as consequências dolorosas de uma atitude, o facto de ter ocasionado grande sacrifício, como por exemplo: «Fiz o que queria, mas custou-me caro.» Não era o caso. Para referir o custo real de algo, o valor que foi pago, como se pretendia, poderia dizer-se «foi caríssimo», «ficou caríssimo». E se se quisesse utilizar o verbo custar, então ele deveria ser seguido de um substantivo, numeral ou advérbio de quantidade (e não de um adjectivo): «Custou milhares de euros», «custou uma fortuna», «custou muito dinheiro», etc.
4. O quarto é um erro de troca de fonemas. Na escrita, seria um erro de ortografia. O comentador empregou a palavra «turculento» (referindo-se ao presidente do Governo Regional da Madeira), em vez de «truculento», que seria a palavra correcta.
5. O quinto é um erro de regência verbal. Ainda a respeito da Casa da Música, à pergunta da jornalista se já lá tinha ido («já foi lá?»), o comentador responde: «Não fui dentro, mas estive fora e vi o projecto e tal...» A construção «não fui dentro» está errada. A construção correcta poderia ser uma destas: «não entrei», «não vi por dentro», «não estive lá dentro», «não fui lá dentro». «Ir dentro» tem, em calão, outro significado, que não era o pretendido pelo comentador. E «estive fora» também não é a expressão adequada neste contexto, por razões semelhantes.
6. Por último, referindo-se ao PP, o comentador disse que a sua ideologia é de «inspiração teoricamente meia democrata-cristão». Nesta expressão, não há um, mas dois erros. Além do erro de concordância entre a palavra «inspiração» e o adjectivo (que deveria estar no feminino: democrata-cristã), existe um erro na utilização da palavra «meia». O comentador deveria ter dito «inspiração meio democrata-cristã», pois a palavra meio é aqui um advérbio e não um adjectivo. É um advérbio que está a modificar o adjectivo «democrata-cristã».
Tais erros talvez possam ter ocorrido num acto de preocupação pelo conteúdo, mais que pela forma, e por se tratar de um discurso não totalmente preparado (uma vez que decorreu da conversa que foi fluindo). Não duvidamos de que o comentador domina melhor a língua que aquilo que mostrou neste programa e que levou a que fosse surpreendente a crítica mordaz que fez às incorrecções linguísticas dos políticos visados.
O que não invalida, é bom que se saiba, que todos devamos porfiar por falar bem a língua portuguesa, afinal o traço comum que nos une.
Maria Regina Rocha
Friday, April 22, 2005
Frase do dia
«Nós [portugueses] gostamos de dizer mal pelas costas e bem pela frente. Nós gostamos de ser amigos de toda a gente e de não gostar de ninguém. Nós gostamos de ser manhosos e, passe a palavra, gostamos de ser merdosos. E eu não gosto disso. É um lado da alma portuguesa que me irrita profundamente.»
José Miguel Júdice
Nota – Não podia estar mais de acordo...
«Nós [portugueses] gostamos de dizer mal pelas costas e bem pela frente. Nós gostamos de ser amigos de toda a gente e de não gostar de ninguém. Nós gostamos de ser manhosos e, passe a palavra, gostamos de ser merdosos. E eu não gosto disso. É um lado da alma portuguesa que me irrita profundamente.»
José Miguel Júdice
Nota – Não podia estar mais de acordo...
Wednesday, April 20, 2005
«Traumatismo ucraniano»
«Um ucraniano com cerca de 40 anos morreu (…) em Angra do Heroísmo [Açores], depois de se ter envolvido numa briga com um português, informou ponte policial.
Segundo a PSP de Angra do Heroísmo, o ucraniano (…) bateu com a cabeça, sendo um traumatismo ucraniano apontado como causa provável da sua morte.
A mesma fonte adiantou que o agressor foi dedito e encontra-se em prisão domiciliária.»
(In «Diário Insular» de 1-9-2004)
Nota – Depois do «traumatismo crâneo-insufálico», in «A BOLA on-line» de 13-04-2005 (ver post anterior), só faltava mais esta... Um amigo atento do «escrita-em-dia» descobriu, no jornal açoriano «Diário Insular» (1-9-2004) uma nova categoria de traumatismo – o «ucraniano»!!! Uma relíquia destas não podia passar sem referência… E siga o baile!
«Um ucraniano com cerca de 40 anos morreu (…) em Angra do Heroísmo [Açores], depois de se ter envolvido numa briga com um português, informou ponte policial.
Segundo a PSP de Angra do Heroísmo, o ucraniano (…) bateu com a cabeça, sendo um traumatismo ucraniano apontado como causa provável da sua morte.
A mesma fonte adiantou que o agressor foi dedito e encontra-se em prisão domiciliária.»
(In «Diário Insular» de 1-9-2004)
Nota – Depois do «traumatismo crâneo-insufálico», in «A BOLA on-line» de 13-04-2005 (ver post anterior), só faltava mais esta... Um amigo atento do «escrita-em-dia» descobriu, no jornal açoriano «Diário Insular» (1-9-2004) uma nova categoria de traumatismo – o «ucraniano»!!! Uma relíquia destas não podia passar sem referência… E siga o baile!
Traumatismo «crâneo-insufálico»
«A BOLA on-line» (extraído do site do Clube de Jornalistas)
«A BOLA on-line» (extraído do site do Clube de Jornalistas)
Tuesday, April 19, 2005
Revisão da matéria
As comas e o ponto final
Uma frase (ou uma sucessão delas...) vai, normalmente, da maiúscula até ao ponto final:
– O João comeu uma laranja.
Se se tratar de uma citação, nada tem que saber – vai inteirinha dentro das comas, incluindo o ponto final: «O João comeu uma laranja.»
O ponto vai fora das comas no caso em que estas não abrangem toda a frase: O João «comeu uma laranja».
É esta a regra específica.
«Enquanto que»
O que está a mais, considerando-se galicismo o seu uso a seguir a enquanto.
«Tem que ver» ou «tem a ver»?
Deve-se escrever-se «…tem que ver com…», porque «…tem a ver com…» é sintaxe francesa.
Empregamos tem que quando antes do que se subentendem palavras como algo, coisa... «Tenho muito que fazer.»
Empregamos tem de quando se subentendem palavras como necessidade, precisão, desejo, obrigação... antes da preposição de: «Tenho de partir», isto é, «tenho necessidade de partir».
As comas e o ponto final
Uma frase (ou uma sucessão delas...) vai, normalmente, da maiúscula até ao ponto final:
– O João comeu uma laranja.
Se se tratar de uma citação, nada tem que saber – vai inteirinha dentro das comas, incluindo o ponto final: «O João comeu uma laranja.»
O ponto vai fora das comas no caso em que estas não abrangem toda a frase: O João «comeu uma laranja».
É esta a regra específica.
«Enquanto que»
O que está a mais, considerando-se galicismo o seu uso a seguir a enquanto.
«Tem que ver» ou «tem a ver»?
Deve-se escrever-se «…tem que ver com…», porque «…tem a ver com…» é sintaxe francesa.
Empregamos tem que quando antes do que se subentendem palavras como algo, coisa... «Tenho muito que fazer.»
Empregamos tem de quando se subentendem palavras como necessidade, precisão, desejo, obrigação... antes da preposição de: «Tenho de partir», isto é, «tenho necessidade de partir».
Friday, April 15, 2005
A morte de João Paulo II
A morte do Papa João Paulo II rendeu dez vezes mais notícias que a reeleição do presidente americano George W. Bush, de acordo com o Global Language Monitor, que vasculha a Internet à procura de palavras específicas. Nas 24 horas após a morte do pontífice, a organização localizou mais de 35 mil matérias na rede. Quando desceu à sepultura, já eram cem mil artigos, mais do que gerou o tsunami na Ásia. No dia em que Bush derrotou John Kerry, foram localizadas cerca de 3.500 notas, segundo a AP (5-4-05). O circo dos media mudou-se literalmente para o Vaticano. Grandes emissoras como a CNN e a BBC não pouparam meios para transmitir o adeus ao líder católico.
Face à gigantesca cobertura dos meios de comunicação, para alguns pouco crítica e exagerada, levantam-se vozes de protesto contra a «comoção mundial» que os media impuseram ao público. Uma das pessoas que remaram contra a corrente foi a colunista inglesa Polly Toynbee, do «Guardian» (8-4-05). Num extenso artigo, ela protesta contra a presença em Roma do primeiro-ministro britânico, Tony Blair, questionando como ele se atreveu, em nome de todos os britânicos, a homenagear um homem que «matou milhões» com os seus éditos. «Os milhões que foram a Roma não significam que o catolicismo esteja ressurgindo. Os devotos estão ali, mas esse é essencialmente um momento à princesa Diana», escreve, concluindo que «essas pessoas estavam, na sua maioria, a participar num evento que poderiam contar aos seus netos». «Coisas desse tipo são estimuladas pelo exagero e pela insistência da televisão, que enfatiza o choro de uns poucos de histéricos.»
«Na Europa, a assiduidade às igrejas está despencando, mesmo no coração do catolicismo reaccionário, a Polónia. Aqui [no Reino Unido], os jovens não têm ideia das mais básicas histórias cristãs», comenta Polly, citando uma pesquisa recente segundo a qual metade dos britânicos não sabe o que significa a Páscoa. «O Vaticano é uma força moderna e potente para a crueldade e a hipocrisia. (...) George Bush pode rezar tranquilamente ao lado do corpo do homem que criticou a guerra do Iraque e a pena de morte, já que isso nunca teve importância, porque o Papa nunca transformou esse assunto em algo sério ou mandou que a igreja nos EUA tomasse alguma atitude. (...) Se o Vaticano tivesse aprendido alguma coisa sobre humanidade, meditaria humildemente sobre os 4.450 clérigos católicos acusados de molestar crianças apenas nos EUA...»
A cerimónia do enterro, segundo a colunista, tentou aliviar «um Papa cuja fé obscurantista causou sofrimento inútil. Que ele estivesse obedecendo a ordens superiores, não é desculpa». (...) «Roma foi palco da reunião de mulás, rabinos e todas as outras fés medievais que crescentemente conspiram contra a modernidade. Grupos islâmicos têm alertado, de forma enfática, que o Vaticano deve manter-se firme contra influências liberais no que diz respeito à homossexualidade, ao aborto, à contracepção e à ordenação de mulheres. Todas as religiões se unem quando se trata de sexo! Expressam desprezo pelo corpo da mulher, o que conduz à necessidade de suprimi-la totalmente.(...)»
«Desgraçadamente, os ricos europeus ignoram os bizarros ensinamentos sobre contracepção da Igreja e não se rebelam para ajudar os pobres do Terceiro Mundo», pondera Polly. «Estes católicos civilizados têm tanto sangue nas mãos quanto o Vaticano que apoiam.»
(Leticia Nunes, in Observatório da Imprensa)
(Cartoon de António publicado no «Expresso». Correu mundo e provocou forte reacção da hierarquia da Igreja Católica)
A morte do Papa João Paulo II rendeu dez vezes mais notícias que a reeleição do presidente americano George W. Bush, de acordo com o Global Language Monitor, que vasculha a Internet à procura de palavras específicas. Nas 24 horas após a morte do pontífice, a organização localizou mais de 35 mil matérias na rede. Quando desceu à sepultura, já eram cem mil artigos, mais do que gerou o tsunami na Ásia. No dia em que Bush derrotou John Kerry, foram localizadas cerca de 3.500 notas, segundo a AP (5-4-05). O circo dos media mudou-se literalmente para o Vaticano. Grandes emissoras como a CNN e a BBC não pouparam meios para transmitir o adeus ao líder católico.
Face à gigantesca cobertura dos meios de comunicação, para alguns pouco crítica e exagerada, levantam-se vozes de protesto contra a «comoção mundial» que os media impuseram ao público. Uma das pessoas que remaram contra a corrente foi a colunista inglesa Polly Toynbee, do «Guardian» (8-4-05). Num extenso artigo, ela protesta contra a presença em Roma do primeiro-ministro britânico, Tony Blair, questionando como ele se atreveu, em nome de todos os britânicos, a homenagear um homem que «matou milhões» com os seus éditos. «Os milhões que foram a Roma não significam que o catolicismo esteja ressurgindo. Os devotos estão ali, mas esse é essencialmente um momento à princesa Diana», escreve, concluindo que «essas pessoas estavam, na sua maioria, a participar num evento que poderiam contar aos seus netos». «Coisas desse tipo são estimuladas pelo exagero e pela insistência da televisão, que enfatiza o choro de uns poucos de histéricos.»
«Na Europa, a assiduidade às igrejas está despencando, mesmo no coração do catolicismo reaccionário, a Polónia. Aqui [no Reino Unido], os jovens não têm ideia das mais básicas histórias cristãs», comenta Polly, citando uma pesquisa recente segundo a qual metade dos britânicos não sabe o que significa a Páscoa. «O Vaticano é uma força moderna e potente para a crueldade e a hipocrisia. (...) George Bush pode rezar tranquilamente ao lado do corpo do homem que criticou a guerra do Iraque e a pena de morte, já que isso nunca teve importância, porque o Papa nunca transformou esse assunto em algo sério ou mandou que a igreja nos EUA tomasse alguma atitude. (...) Se o Vaticano tivesse aprendido alguma coisa sobre humanidade, meditaria humildemente sobre os 4.450 clérigos católicos acusados de molestar crianças apenas nos EUA...»
A cerimónia do enterro, segundo a colunista, tentou aliviar «um Papa cuja fé obscurantista causou sofrimento inútil. Que ele estivesse obedecendo a ordens superiores, não é desculpa». (...) «Roma foi palco da reunião de mulás, rabinos e todas as outras fés medievais que crescentemente conspiram contra a modernidade. Grupos islâmicos têm alertado, de forma enfática, que o Vaticano deve manter-se firme contra influências liberais no que diz respeito à homossexualidade, ao aborto, à contracepção e à ordenação de mulheres. Todas as religiões se unem quando se trata de sexo! Expressam desprezo pelo corpo da mulher, o que conduz à necessidade de suprimi-la totalmente.(...)»
«Desgraçadamente, os ricos europeus ignoram os bizarros ensinamentos sobre contracepção da Igreja e não se rebelam para ajudar os pobres do Terceiro Mundo», pondera Polly. «Estes católicos civilizados têm tanto sangue nas mãos quanto o Vaticano que apoiam.»
(Leticia Nunes, in Observatório da Imprensa)
(Cartoon de António publicado no «Expresso». Correu mundo e provocou forte reacção da hierarquia da Igreja Católica)
Tuesday, April 12, 2005
Eu quero ser sueco!
(...) «Neste momento, o único nome que está colocado no organigrama [organograma] é o meu como seleccionador masculino de seniores»
(...) «O Javier tinha as suas ideias que eu conhecia mas eu sou sueco, tive [estive] 15 [?] na selecção sueca e quero adaptar um estilo de coordenação e organização do tipo sueco»
(in «A BOLA» de 12-4-2005)
[Candidato-me, desde já, a seleccionador de seniores femininos! E prometo «adaptar um estilo do tipo sueco», como «seleccionador masculino de seniores»... femininos!]
(...) «Neste momento, o único nome que está colocado no organigrama [organograma] é o meu como seleccionador masculino de seniores»
(...) «O Javier tinha as suas ideias que eu conhecia mas eu sou sueco, tive [estive] 15 [?] na selecção sueca e quero adaptar um estilo de coordenação e organização do tipo sueco»
(in «A BOLA» de 12-4-2005)
[Candidato-me, desde já, a seleccionador de seniores femininos! E prometo «adaptar um estilo do tipo sueco», como «seleccionador masculino de seniores»... femininos!]
Carlos Fino abandonou o jornalismo
Carlos Fino, o jornalista que há dois anos noticiou em primeira mão, a nível mundial, o começo dos bombardeamentos americanos no Iraque e se manteve largo tempo em Bagdad, relatando o que se passava, abandonou há meses a profissão e a RTP e está em Brasília a desempenhar as funções de conselheiro de imprensa na Embaixada portuguesa. A sua decisão causou surpresa – e nunca foi bem explicada. Mas Carlos Fino, no decorrer de uma pequena entrevista a Ribeiro Cardoso, no programa «Clube de Jornalistas», tornou clara a sua posição.
«Em Portugal não há carreira de jornalista. O jornalista não tem saída. Cada vez mais o jornalismo é para ser exercido entre os 20 e os 40 anos. A partir dos 20, porque nessa altura ainda se é ingénuo e ambicioso o suficiente para correr sem perguntar para onde nem como. No final, é-se simplesmente rejeitado borda fora, porque não há lugar para nós, a não ser a cooptação para serviços de controlo e administração. Carreira propriamente jornalística, não há... Digam-me quem são os jornalistas seniores que estão hoje no activo em Portugal, a exercer efectivamente a profissão... Eu gostaria de continuar. Mas como? A fazer o quê? Não há esse estatuto de jornalista. Isso não é reconhecido. Não há essa carreira. E sem isso, o topo da carreira de jornalista, no nosso país, é ser conselheiro de imprensa numa Embaixada.»
No que respeita à cobertura da guerra do Iraque («Dois anos depois, pode-se dizer que o público foi bem informado do que realmente se passou?»), Carlos Fino continua a seguir com paixão tudo o que se relaciona com o jornalismo em tempo de guerra: «Bom, o público foi informado na medida do possível e com as contingências da informação. A questão que se coloca num cenário de guerra é saber qual o estatuto que o jornalista tem para poder actuar. O ideal seria o jornalista poder ter, um dia, qualquer coisa do género da CVI - Cruz Vermelha Internacional. Isto é: haver um entendimento internacional que reconhecesse utilidade à informação como um serviço humanitário, e que conferisse assim aos jornalistas um estatuto para poder evoluir em cenários de guerra. Caso contrário, é fatal que o jornalista tenha de estar incorporado num lado ou noutro. Falou-se muito nos embedded do lado americano, pois bem, os outros que como eu estiveram do outro lado, na realidade estávamos embedded no regime iraquiano. E aqueles que quiseram, pela pureza de princípios, estar sozinhos e arriscar a própria vida, praticamente não tiveram possibilidade de trabalhar e muitos deles foram rapidamente eliminados. Num cenário de guerra, ou se está de um lado ou do outro. Mas isso, naturalmente, origina muitas limitações, como foi sublinhado na altura em relação aos que acompanharam as tropas americanas e eu próprio não deixo de sublinhar em relação aos que estavam do outro lado.»
Jornalistas «eliminados». Curiosamente, segundo veio a público, foram eliminados mais de um lado que do outro. Isso foi por acaso ou deliberado? Carlos Fino encontrava-se no Hotel Palestina quando um tanque americano abriu fogo e matou um jornalista que estava no andar de baixo... «Morreram três e não um. Na verdade, só por acaso não fui atingido. É um escândalo o que se passa com o chamado fogo amigo e, em geral, com a informação que é objecto, muitas vezes, da intenção deliberada de eliminar, de liquidar as fontes de informação. Não sei se, no caso concreto, foi essa a intenção do soldado americano que disparou, mas muitos outros jornalistas foram objecto de alvo preferencial. O que tudo isto levanta, quanto a mim, é uma questão mais profunda, a do próprio estatuto do jornalista. Isto é: sem um estatuto adequado e sem uma defesa dos interesses próprios dos jornalistas, nós – ainda me considero jornalista... – não teremos condições para exercer aquilo que é a nossa principal missão: a busca da verdade. Podemos todos alimentar este mito, comungar desta ideia de que há independência do jornalismo, mas as condições dessa independência não estão criadas, não estão no local, e os jornalistas defendem cada vez mais os interesses das empresas onde trabalham ou, mais globalmente, os grandes interesses estratégicos. Sem um estatuto adequado que defenda e proteja os jornalistas, à semelhante do que existe com os juízes - porque contribuímos para a mesma função, a descoberta da verdade -, sem isso estamos completamente à mercê dos grandes interesses: ou somos simples tamborileiros da corte que ajuda à festa ou ajuda aos enterros, ou somos utilizados pelos interesses nesta guerra civil que é a guerra dos interesses.»
Carlos Fino, o jornalista que há dois anos noticiou em primeira mão, a nível mundial, o começo dos bombardeamentos americanos no Iraque e se manteve largo tempo em Bagdad, relatando o que se passava, abandonou há meses a profissão e a RTP e está em Brasília a desempenhar as funções de conselheiro de imprensa na Embaixada portuguesa. A sua decisão causou surpresa – e nunca foi bem explicada. Mas Carlos Fino, no decorrer de uma pequena entrevista a Ribeiro Cardoso, no programa «Clube de Jornalistas», tornou clara a sua posição.
«Em Portugal não há carreira de jornalista. O jornalista não tem saída. Cada vez mais o jornalismo é para ser exercido entre os 20 e os 40 anos. A partir dos 20, porque nessa altura ainda se é ingénuo e ambicioso o suficiente para correr sem perguntar para onde nem como. No final, é-se simplesmente rejeitado borda fora, porque não há lugar para nós, a não ser a cooptação para serviços de controlo e administração. Carreira propriamente jornalística, não há... Digam-me quem são os jornalistas seniores que estão hoje no activo em Portugal, a exercer efectivamente a profissão... Eu gostaria de continuar. Mas como? A fazer o quê? Não há esse estatuto de jornalista. Isso não é reconhecido. Não há essa carreira. E sem isso, o topo da carreira de jornalista, no nosso país, é ser conselheiro de imprensa numa Embaixada.»
No que respeita à cobertura da guerra do Iraque («Dois anos depois, pode-se dizer que o público foi bem informado do que realmente se passou?»), Carlos Fino continua a seguir com paixão tudo o que se relaciona com o jornalismo em tempo de guerra: «Bom, o público foi informado na medida do possível e com as contingências da informação. A questão que se coloca num cenário de guerra é saber qual o estatuto que o jornalista tem para poder actuar. O ideal seria o jornalista poder ter, um dia, qualquer coisa do género da CVI - Cruz Vermelha Internacional. Isto é: haver um entendimento internacional que reconhecesse utilidade à informação como um serviço humanitário, e que conferisse assim aos jornalistas um estatuto para poder evoluir em cenários de guerra. Caso contrário, é fatal que o jornalista tenha de estar incorporado num lado ou noutro. Falou-se muito nos embedded do lado americano, pois bem, os outros que como eu estiveram do outro lado, na realidade estávamos embedded no regime iraquiano. E aqueles que quiseram, pela pureza de princípios, estar sozinhos e arriscar a própria vida, praticamente não tiveram possibilidade de trabalhar e muitos deles foram rapidamente eliminados. Num cenário de guerra, ou se está de um lado ou do outro. Mas isso, naturalmente, origina muitas limitações, como foi sublinhado na altura em relação aos que acompanharam as tropas americanas e eu próprio não deixo de sublinhar em relação aos que estavam do outro lado.»
Jornalistas «eliminados». Curiosamente, segundo veio a público, foram eliminados mais de um lado que do outro. Isso foi por acaso ou deliberado? Carlos Fino encontrava-se no Hotel Palestina quando um tanque americano abriu fogo e matou um jornalista que estava no andar de baixo... «Morreram três e não um. Na verdade, só por acaso não fui atingido. É um escândalo o que se passa com o chamado fogo amigo e, em geral, com a informação que é objecto, muitas vezes, da intenção deliberada de eliminar, de liquidar as fontes de informação. Não sei se, no caso concreto, foi essa a intenção do soldado americano que disparou, mas muitos outros jornalistas foram objecto de alvo preferencial. O que tudo isto levanta, quanto a mim, é uma questão mais profunda, a do próprio estatuto do jornalista. Isto é: sem um estatuto adequado e sem uma defesa dos interesses próprios dos jornalistas, nós – ainda me considero jornalista... – não teremos condições para exercer aquilo que é a nossa principal missão: a busca da verdade. Podemos todos alimentar este mito, comungar desta ideia de que há independência do jornalismo, mas as condições dessa independência não estão criadas, não estão no local, e os jornalistas defendem cada vez mais os interesses das empresas onde trabalham ou, mais globalmente, os grandes interesses estratégicos. Sem um estatuto adequado que defenda e proteja os jornalistas, à semelhante do que existe com os juízes - porque contribuímos para a mesma função, a descoberta da verdade -, sem isso estamos completamente à mercê dos grandes interesses: ou somos simples tamborileiros da corte que ajuda à festa ou ajuda aos enterros, ou somos utilizados pelos interesses nesta guerra civil que é a guerra dos interesses.»
Tocando em frente
Ando devagar porque já tive pressa
E levo esse sorriso porque já chorei demais.
Hoje me sinto mais forte, mais feliz quem sabe
Eu só levo a certeza de que muito pouco eu sei.
Eu nada sei.
Conhecer as manhas e as manhãs
O sabor das massas e das maçãs.
É preciso amor para poder pulsar
É preciso paz para poder sorrir
É preciso chuva para florir...
Penso que cumprir a vida seja simplesmente
Compreender a marcha, ir tocando em frente
Como um velho boiadeiro levando a boiada
Eu vou tocando os dias pela longa estrada
Eu vou, estrada eu sou...
Todo mundo ama um dia, todo mundo chora
Um dia a gente chega, no outro vai embora.
Cada um de nós compõe a sua história.
Cada ser em si carrega o dom de ser capaz de ser feliz.
Maria Bethânia
Ando devagar porque já tive pressa
E levo esse sorriso porque já chorei demais.
Hoje me sinto mais forte, mais feliz quem sabe
Eu só levo a certeza de que muito pouco eu sei.
Eu nada sei.
Conhecer as manhas e as manhãs
O sabor das massas e das maçãs.
É preciso amor para poder pulsar
É preciso paz para poder sorrir
É preciso chuva para florir...
Penso que cumprir a vida seja simplesmente
Compreender a marcha, ir tocando em frente
Como um velho boiadeiro levando a boiada
Eu vou tocando os dias pela longa estrada
Eu vou, estrada eu sou...
Todo mundo ama um dia, todo mundo chora
Um dia a gente chega, no outro vai embora.
Cada um de nós compõe a sua história.
Cada ser em si carrega o dom de ser capaz de ser feliz.
Maria Bethânia
Monday, April 11, 2005
«Memória das Minhas Putas Tristes»
«Memória das Minhas Putas Tristes» conta a história de um velho jornalista de 90 anos que deseja festejar a sua longa existência de prostitutas, livros e crónicas com uma noite de amor com uma jovem virgem.
Inspirado no romance «A Casa das Belas Adormecidas», do Nobel japonês Yasunari Kawabata, o escritor colombiano submerge-nos, num texto pleno de metáforas, nos amores e desamores de um solitário e sonhador ancião que nunca se deitou com uma mulher sem lhe pagar e nunca imaginou que encontraria assim o verdadeiro amor. Rosa Cabarcas, a dona de um prostíbulo, conduzi-lo-á à adolescente com quem aprenderá que para o amor não há tempo nem idade e que um velho pode morrer de amor em vez de velhice. A escrita incomparável de Gabriel Garcia Marquez num romance que é ao mesmo tempo uma reflexão sobre a velhice e a celebração das alegrias da paixão.
A literatura latino-americana conheceu um processo de expansão e reconhecimento internacional que é um dos fenómenos mais interessantes da segunda metade do século XX. Gabriel Garcia Marquez encontra-se no centro deste verdadeiro «boom» que constituiu, afinal, uma nova vanguarda literária, exterior ao eixo parisiense tradicional. Teve porém, como todos os autores latino-americanos da sua geração, de passar pela aprovação da crítica europeia, nomeadamente a francesa, apesar da enorme popularidade que adquiriu entre os leitores.
O segredo do que foi denominado «realismo fantástico» (ou também «realismo mágico») reside, segundo o escritor português João de Melo, «na descoberta de uma prática ficcional simples e simultaneamente deslumbrada, recorrendo aos grandes temas sociais, sem dúvida, mas envolvendo as realidades descritas numa auréola de sonhos, crenças e rituais lendários que bem podem estar na origem de uma nova mitologia literária».
A atribuição do Prémio Nobel da Literatura a Gabriel Garcia Marquez, em 1982, representou não apenas a sua consagração internacional como também a de toda a literatura americana em língua castelhana, tendo estado na origem do reacender da polémica entre os defensores de Marquez e os incondicionais de Borges. Esta discussão, nos termos em que foi colocada, não tem para João de Melo qualquer sentido, opinião que justifica sublinhando três «evidências» acerca da escrita de Gabriel Garcia Marquez: em primeiro lugar, este é talvez o oposto perfeito de Borges, «com a superior vantagem de a sua obra, apesar de muito menos ecléctica que a do argentino, assumir em pleno e em risco a ideologia do século». Por outro lado, a originalidade do colombiano dificilmente se adapta às convenções e conceitos da tradição literária bem-pensante.
Finalmente, João de Melo destaca o carácter universal da obra de Gabriel Garcia Marquez, que o coloca entre os maiores criadores do século XX, ao lado de Kafka, Camus, Hemingway e do próprio Borges.
(«Memória das Minhas Putas Tristes» - Publicações D. Quixote)
«Memória das Minhas Putas Tristes» conta a história de um velho jornalista de 90 anos que deseja festejar a sua longa existência de prostitutas, livros e crónicas com uma noite de amor com uma jovem virgem.
Inspirado no romance «A Casa das Belas Adormecidas», do Nobel japonês Yasunari Kawabata, o escritor colombiano submerge-nos, num texto pleno de metáforas, nos amores e desamores de um solitário e sonhador ancião que nunca se deitou com uma mulher sem lhe pagar e nunca imaginou que encontraria assim o verdadeiro amor. Rosa Cabarcas, a dona de um prostíbulo, conduzi-lo-á à adolescente com quem aprenderá que para o amor não há tempo nem idade e que um velho pode morrer de amor em vez de velhice. A escrita incomparável de Gabriel Garcia Marquez num romance que é ao mesmo tempo uma reflexão sobre a velhice e a celebração das alegrias da paixão.
A literatura latino-americana conheceu um processo de expansão e reconhecimento internacional que é um dos fenómenos mais interessantes da segunda metade do século XX. Gabriel Garcia Marquez encontra-se no centro deste verdadeiro «boom» que constituiu, afinal, uma nova vanguarda literária, exterior ao eixo parisiense tradicional. Teve porém, como todos os autores latino-americanos da sua geração, de passar pela aprovação da crítica europeia, nomeadamente a francesa, apesar da enorme popularidade que adquiriu entre os leitores.
O segredo do que foi denominado «realismo fantástico» (ou também «realismo mágico») reside, segundo o escritor português João de Melo, «na descoberta de uma prática ficcional simples e simultaneamente deslumbrada, recorrendo aos grandes temas sociais, sem dúvida, mas envolvendo as realidades descritas numa auréola de sonhos, crenças e rituais lendários que bem podem estar na origem de uma nova mitologia literária».
A atribuição do Prémio Nobel da Literatura a Gabriel Garcia Marquez, em 1982, representou não apenas a sua consagração internacional como também a de toda a literatura americana em língua castelhana, tendo estado na origem do reacender da polémica entre os defensores de Marquez e os incondicionais de Borges. Esta discussão, nos termos em que foi colocada, não tem para João de Melo qualquer sentido, opinião que justifica sublinhando três «evidências» acerca da escrita de Gabriel Garcia Marquez: em primeiro lugar, este é talvez o oposto perfeito de Borges, «com a superior vantagem de a sua obra, apesar de muito menos ecléctica que a do argentino, assumir em pleno e em risco a ideologia do século». Por outro lado, a originalidade do colombiano dificilmente se adapta às convenções e conceitos da tradição literária bem-pensante.
Finalmente, João de Melo destaca o carácter universal da obra de Gabriel Garcia Marquez, que o coloca entre os maiores criadores do século XX, ao lado de Kafka, Camus, Hemingway e do próprio Borges.
(«Memória das Minhas Putas Tristes» - Publicações D. Quixote)
Friday, April 08, 2005
Jornalismo digital
Excerto de uma entrevista de Ismael Nafría (subdirector de conteúdos no grupo Prisa e ex-chefe de Redacção do La Vanguardia Digital) ao Periodista Digital.
«Uno de ellos es el de la participación. El periodismo participativo estará mucho más integrado y de modos muy diversos. Algunos que ni ahora nos imaginamos. Habrá avances, también, sin ninguna duda, en lo que es salir de la web y entrar en otros ámbitos que la tecnología te permite, como aparatos móviles, no sólo teléfonos. Cada vez hay más gente que utiliza esos dispositivos para estar informado y comunicarse. Habrá innovaciones en cuanto a la forma en que la gente consume información digital. A los usuarios o consumidores de información y entretenimiento, la tecnología les está permitiendo convertirse en informadores bajo demanda, en el momento que ellos quieren y en el formato que quieren. Hay que cambiar un poco el chip para ofrecer ese tipo de cosas. También se innovarán los modelos de negocio, un campo en el que hay que ser muy humilde y entender que nadie tiene la varita mágica para decidir que el modelo que hay que imponerse en Internet es uno u otro. Cada medio es muy distinto, y el modelo de negocio varía de uno a otro.»
(...)
«El blog funciona muy bien en Internet, premia la participación del usuario y permite un lenguaje mucho más relajado y adaptado al entorno de Internet. Eso son cualidades que lo convierten en un formato perfecto. Además ha conseguido sacar a la luz temas que la prensa tradicional no han sabido hacerlo o, precisamente, han sacado temas que han afectado a la prensa tradicional (...). Los medios tradicionales ya han empezado a utilizar este formato para realizar determinadas informaciones que puedan ser más eficaces para transmitir determinadas informaciones. Quizá en algún ámbito puedan relajar el estilo periodístico más tradicional sin que eso anule la actual forma de hacer periodismo.»
Excerto de uma entrevista de Ismael Nafría (subdirector de conteúdos no grupo Prisa e ex-chefe de Redacção do La Vanguardia Digital) ao Periodista Digital.
«Uno de ellos es el de la participación. El periodismo participativo estará mucho más integrado y de modos muy diversos. Algunos que ni ahora nos imaginamos. Habrá avances, también, sin ninguna duda, en lo que es salir de la web y entrar en otros ámbitos que la tecnología te permite, como aparatos móviles, no sólo teléfonos. Cada vez hay más gente que utiliza esos dispositivos para estar informado y comunicarse. Habrá innovaciones en cuanto a la forma en que la gente consume información digital. A los usuarios o consumidores de información y entretenimiento, la tecnología les está permitiendo convertirse en informadores bajo demanda, en el momento que ellos quieren y en el formato que quieren. Hay que cambiar un poco el chip para ofrecer ese tipo de cosas. También se innovarán los modelos de negocio, un campo en el que hay que ser muy humilde y entender que nadie tiene la varita mágica para decidir que el modelo que hay que imponerse en Internet es uno u otro. Cada medio es muy distinto, y el modelo de negocio varía de uno a otro.»
(...)
«El blog funciona muy bien en Internet, premia la participación del usuario y permite un lenguaje mucho más relajado y adaptado al entorno de Internet. Eso son cualidades que lo convierten en un formato perfecto. Además ha conseguido sacar a la luz temas que la prensa tradicional no han sabido hacerlo o, precisamente, han sacado temas que han afectado a la prensa tradicional (...). Los medios tradicionales ya han empezado a utilizar este formato para realizar determinadas informaciones que puedan ser más eficaces para transmitir determinadas informaciones. Quizá en algún ámbito puedan relajar el estilo periodístico más tradicional sin que eso anule la actual forma de hacer periodismo.»
Monday, April 04, 2005
No melhor pano cai a nódoa...
A BBC enviou um mail a convidar Bob Marley para uma entrevista, 24 anos após a sua morte. A cadeia britânica já pediu desculpas à fundação do cantor de reggae.
A emissora pública britânica admitiu na sexta-feira, em comunicado, estar «envergonhada» com o engano: «Evidentemente, estamos muito constrangidos pelo facto de não nos termos dado conta de que a carta enviada à Fundação Marley não reconheceu que Bob Marley não está mais entre nós.»
A Fundação Bob Marley não comentou a situação, encarando o engano com humor. De acordo com a emissora, o erro ocorreu numa carta padronizada que a BBC enviou a centenas de «ícones e músicos» para os convidar a participar numa série de programas no canal digital BBC-3.
A BBC enviou um mail a convidar Bob Marley para uma entrevista, 24 anos após a sua morte. A cadeia britânica já pediu desculpas à fundação do cantor de reggae.
A emissora pública britânica admitiu na sexta-feira, em comunicado, estar «envergonhada» com o engano: «Evidentemente, estamos muito constrangidos pelo facto de não nos termos dado conta de que a carta enviada à Fundação Marley não reconheceu que Bob Marley não está mais entre nós.»
A Fundação Bob Marley não comentou a situação, encarando o engano com humor. De acordo com a emissora, o erro ocorreu numa carta padronizada que a BBC enviou a centenas de «ícones e músicos» para os convidar a participar numa série de programas no canal digital BBC-3.
Saturday, April 02, 2005
«Cão Como Nós» (Manuel Alegre)
«Cão bonito, dizia eu, em momentos raros. E era um acontecimento lá em casa. Os filhos como que se reconciliavam comigo, minha mulher sorria, o cão começava por ficar surpreendido e depois reagia com excesso de euforia, o que por vezes me fazia arrepender da expressão carinhosa.
Cão bonito. E ei-lo aos pulos, a dar ao rabo, a correr a casa toda.
Digamos que aquele cão era quase um especialista nas relações com os humanos. Tinha o dom de agradar e de exasperar. Mas assim que eu dizia – Cão bonito – ele não resistia. Deixava-se dominar pela emoção, o que não era vulgar num cão que fazia o possível e o impossível para não o ser.»
Como nós eras altivo
Fiel mas como nós
desobediente.
Gostavas de estar connosco a sós
mas não cativo
e sempre presente-ausente
como nós.
Cão que não querias
ser cão
e não lambias
a mão
e não respondias
à voz.
Cão
Como nós.
Um cão, uma família, uma relação difícil; a amizade entre o homem e o cão, feita de cumplicidade e confronto; o poder de um olhar dócil, apesar de desafiador – eis o que encerra o livro «Cão Como Nós».
Manuel Alegre, poeta e político, nasceu em Águeda em 1936. Como político, distinguiu-se na oposição ao regime salazarista e marcelista, tendo conhecido o exílio. Após 1974 foi governante e deputado socialista. A sua poesia combina a intenção política com uma dimensão lírica influenciada pela poesia trovadoresca e quinhentista. Mas, para além do tom épico e lírico, tem também grande musicalidade.
«Cão bonito, dizia eu, em momentos raros. E era um acontecimento lá em casa. Os filhos como que se reconciliavam comigo, minha mulher sorria, o cão começava por ficar surpreendido e depois reagia com excesso de euforia, o que por vezes me fazia arrepender da expressão carinhosa.
Cão bonito. E ei-lo aos pulos, a dar ao rabo, a correr a casa toda.
Digamos que aquele cão era quase um especialista nas relações com os humanos. Tinha o dom de agradar e de exasperar. Mas assim que eu dizia – Cão bonito – ele não resistia. Deixava-se dominar pela emoção, o que não era vulgar num cão que fazia o possível e o impossível para não o ser.»
Como nós eras altivo
Fiel mas como nós
desobediente.
Gostavas de estar connosco a sós
mas não cativo
e sempre presente-ausente
como nós.
Cão que não querias
ser cão
e não lambias
a mão
e não respondias
à voz.
Cão
Como nós.
Um cão, uma família, uma relação difícil; a amizade entre o homem e o cão, feita de cumplicidade e confronto; o poder de um olhar dócil, apesar de desafiador – eis o que encerra o livro «Cão Como Nós».
Manuel Alegre, poeta e político, nasceu em Águeda em 1936. Como político, distinguiu-se na oposição ao regime salazarista e marcelista, tendo conhecido o exílio. Após 1974 foi governante e deputado socialista. A sua poesia combina a intenção política com uma dimensão lírica influenciada pela poesia trovadoresca e quinhentista. Mas, para além do tom épico e lírico, tem também grande musicalidade.