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Thursday, September 30, 2004

«Escrita-em-dia» ultrapassa as mil visitas

Aleluia! O «escrita-em-dia», apesar da tenra idade, já ultrapassou as mil visitas! É caso para festejar e o editor desta geringonça convida todos os estimados, fiéis e amigos (sim, porque «isto» é tudo malta amiga...) bloguistas para uma «bjeca» na Trindade, em dia e hora a combinar (mail: escritaemdia@clix.pt).

Bem sei que a linha editorial do «escrita» sofreu profundo desvio. Lamento tê-los desiludido, mas a ideia inicial de analisar «aqui» os pontapés na gramática era demasiado exigente para este simples escriba. Aconselho-os a clicar, de vez em quando, no «ciberdúvidas» (aqui ao lado). Vale a pena!

E pronto! Fico à espera para a tal «bjeca» e prometo, desde já, pagar uma sanduíche na Matilde quando o «escrita» atingir as... cinco mil visitas!

Beijinhos e abraços

MS

Wednesday, September 22, 2004



A VINGANÇA DO JAVALI

Mais parece anedota, mas não é! A estória, verdadeira, passou-se na estrada de Montes da Senhora, a «minha» bonita aldeia beirã (desculpem qualquer coisinha...), e fez-me lembrar aquele exemplo crónico que se estuda nos manuais de jornalismo e serve para ilustrar o que é e não é notícia. Ou seja: se um cão morder um homem, não é notícia, trata-se de uma situação banal; já a inversa deve merecer destaque jornalístico, por não ser vulgar.

Mas o personagem principal desta estória (verdadeira) não é um cão... Trata-se de uma espécie de filho-pródigo que em tempos regressou em força à região da Beira Baixa (por pouco tempo, porque os incêndios encarregaram-se de o dizimar) -- o javali!

Andava toda a gente excitada com o raio do porco-bravo, que dá cabo das colheitas e... tem uma carne de bradar aos céus! Havia quem não dormisse noites inteiras à espera do javardo, aguardando-o nas veredas que dão acesso às hortas, em silêncio e de espingarda em riste, mas o bicho, matreiro, nunca aparecia nas noites «certas», esquivando-se como só ele sabe. E quando um era apanhado havia festa de arromba, só entre amigos, porque era proibido caçar tais bicharocos sem ser em montarias.

O Eduardo -- mestre na enxertia de cerejeiras, videiras e tudo quanto dá fruto, para além de conhecer todos os segredos ancestrais das lides da lavoura -- regressava a casa de moto, após o dia de trabalho. Estava lusco-fusco e numa recta que parecia não oferecer o mínimo perigo, aconteceu o imprevisto: o javali, enorme e cansado de tantas armadilhas, resolveu atacar o pacato motoqueiro. O Eduardo ficou estatelado no alcatrão com uma clavícula partida e várias outras escoriações. O bicharoco, indiferente, continuou o seu caminho, como que vingado das muitas partidas que o bicho-homem lhe pregara.

O feitiço virou-se contra o feiticeiro e o pobre do Eduardo, cheio de mazelas e com a moto escavacada, ainda lamentava: «Se ao menos conseguisse apanhá-lo! Sempre eram 50 quilinhos de carne boa e limpa...»

Friday, September 03, 2004

TEMPO DE POESIA



PEDRA FILOSOFAL

Eles não sabem que o sonho
é uma constante da vida
tão concreta e definida
como outra coisa qualquer,
como esta pedra cinzenta
em que me sento e descanso,
como este ribeiro manso,
em serenos sobressaltos,
como estes pinheiros altos,
que em verde oiro se agitam,
como estas aves que gritam
em bebedeiras de azul.

Eles não sabem que o sonho
é vinho, é espuma, é fermento,
bichinho alacre e sedento,
de focinho pontiagudo,
que força através de tudo
num perpétuo movimento.

Eles não sabem que o sonho
é tela, é cor, é pincel,
base, fuste, capitel,
arco em ogiva, vitral,
pináculo de catedral,
contraponto, sinfonia,
máscara grega, magia,
que é retorta de alquimista,
mapa do mundo distante,
rosa dos ventos, infante,
caravela quinhentista,
que é cabo da Boa Esperança,
ouro, canela, marfim,
florete de espadachim,
bastidor, paço de dança,
Colombina e Arlequim,
passarola voadora,
pára-raios, locomotiva,
barco de proa festiva,
alto-forno, geradora,
cisão de átomo, radar,
ultra-som, televisão,
desembarque em foguetão
na superfície lunar.

Eles não sabem, nem sonham,
que o sonho comanda a vida.
Que sempre que um homem sonha
o mundo pula e avança
como bola colorida
entre as mãos de uma criança.

António Gedeão

LÁGRIMA DE PRETA

Encontrei uma preta
que estava a chorar,
pedi-lhe uma lágrima
para a analisar.

Recolhi a lágrima
com todo o cuidado
num tubo de ensaio
bem esterilizado.

Olhei-a de um lado,
do outro e de frente:
tinha um ar de gota
muito transparente.

Mandei vir os ácidos,
as bases e os sais,
as drogas usadas
em casos que tais.

Ensaiei a frio,
experimentei ao lume,
de todas as vezes
deu-me o que é costume:

nem sinais de negro,
nem vestígios de ódio.
Água (quase tudo)
e cloreto de sódio.

António Gedeão



POETA CASTRADO, NÃO!

Serei tudo o que disserem
Por inveja ou negação:
Cabeçudo dromedário
Fogueira de exibição
Teorema corolário
Poema de mão em mão
Lãzudo publicitário
Malabarista cabrão.
Serei tudo o que quiserem:
Poeta castrado, não!

Os que entendem como eu
As linhas com que me escrevo
Reconhecem o que é meu
Em tudo quanto lhes devo:
Ternura como já disse
Sempre que faço um poema;
Saudade que se partisse
Me alagaria de pena;
E também uma alegria
Uma coragem serena
Em renegar a poesia
Quando ela nos envenena.

Os que entendem como eu
A força que tem um verso
Reconhecem o que é seu
Quando lhes mostro o reverso:
Da fome já não se fala
-- É tão vulgar que nos cansa --
Mas que dizer de uma bala
Num esqueleto de criança?

Do frio não reza a história
-- a morte é branda e letal --
Mas que dizer da memória
De uma bomba de napalm?

E o resto que pode ser
O poema dia a dia?
-- Um bisturi a crescer
Nas coxas de uma judia;
Um filho que vai nascer
Parido por asfixia?!
-- Ah não me venham dizer
Que é fonética a poesia!

Serei tudo o que disserem
Por temor ou negação:
Demagogo mau profeta
Falso médico ladrão
Prostituta proxeneta
Espoleta televisão.
Serei tudo o que disserem:
Poeta castrado, não!

Ary dos Santos



SOL DO MENDIGO

Olhai o vagabundo que nada tem
e leva o sol na algibeira!
Quando a noite vem
pendura o sol na beira dum valado
e dorme toda a noite à soalheira...
Pela manhã acorda tonto de luz.
Vai ao povoado
e grita:
— Quem me roubou o sol que vai tão alto?
E uns senhores muito sérios
rosnam:
— Que grande bebedeira!

E só à noite se cala o pobre.
Atira-se para o lado,
dorme... dorme...

Manuel da Fonseca

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