Tuesday, November 23, 2004
[Um amigo enviou-me um pedaço da crónica de Homero Serpa, publicada em «A BOLA» de 14-11-2004. Fui a correr ler a prosa, com os meus próprios olhos, e não resisto a transcrevê-la, com a devida vénia e sem comentários...]
Coragem precisa-se
«A vida do futebol, outrora orgulhosa idionomia, aliás nem sempre confirmada, mas hoje contubérnio aberto às incursões de toda a espécie de interesses e apostas positivas e negativas, mantém sobre ele um céu entenebrecido, imbrífero, ameaçador do seu bom nome.
Caem, todos os dias, desse céu, as chuvas ácidas da desconfiança, da suspeita de que os resultados, pelo menos alguns deles, são programados no secretismo de computadores selvagens como decisões administrativas e irrevogáveis, jogue-se bem ou mal. Claro que já ouvi histórias semelhantes no passado e, até, assisti a factos intrigantes, que concederam e tiraram títulos nacionais.
O meu clube, o Belenenses, do qual não falo aqui com a insistência que vejo noutras crónicas em relação a outros emblemas, protegidos e abençoados pelas audiências, que são tão vastas que me dão a ideia do país ser, agora, habitado aí por uns vinte milhões de cidadãos, o Belenenses, dizia eu, perdeu, pelo menos, um campeonato devido a misteriosos erros de arbitragem.
Ainda, outro dia, o Carlos Gomes, antigo e bom guarda-redes do Sporting, confirmou um desses lapsos no célebre jogo dos quatro minutos, nas Salésias. Carlos Gomes contou um episódio autêntico, eu poderia ir lá atrás, montado na máquina do tempo, e descobrir situações semelhantes.
Mas se nem a cruz de Cristo salvou o Belenenses de injustiças, por que razão havia eu de trazer a estes modernos tempos atitudes premeditadas ou apenas casuais impeditivas dos êxitos do Belenenses com óbvios reflexos na caminhada dos clubes?
O iconoclasmo ficou assim a manchar pessoas, o problema é saber-se se de facto as melindrou ao ponto de sentirem remorsos, creio que não uma vez que foram procedimentos ardentemente perfunctórios.
Numa comparação bélica, o soldado que mata na guerra não é considerado criminoso, é um herói, o desportista sectário com a missão de cumprir regras enquanto árbitro também pode sentir-se mobilizado para defender as suas cores.
Nada mais racional e nada mais desumano. Continua acesa a desconfiança sobre a arbitragem de jogos, mas o cultivo da onzonice não agrada ao público que, sem provas e alguém que dê a cara e preste depoimentos inequívocos, hesita entre aceitar a verdade escondida e não ligar demasiada importância às insinuações.
Agora, veio o Benfica introduzir a dúvida, sempre velha e sempre nova, numa simples frase, ingénua, na aparência, percuciente na interpretação, garantindo que a equipa será campeona se não sofrer erros de arbitragem.
É um condicionalismo imiscível com a transparência exigida pelo porta-voz do clube. Será mesmo uma forma de coacção sobre os árbitros, entretanto já coagidos. Ou apenas será um desabafo?
Mas lá temos as atitudes dúbias esvoaçando sobre os estádios. É evidente que todos sabemos a quem os benfiquistas se referem e o lugar preferencial dos atropelamentos das regras e da importante figura do grande jogo, hipoteticamente padrinho de uns tantos árbitros, mas estas coisas têm uma gravidade que não pode ser lançada em simples rajadas de dúvidas, os acusadores devem abster-se de atitudes impudentes, devem buscar provas de qualquer espécie de conluio e de as mostrar a quem tiver de julgar presumíveis réus ou, em alternativa, calarem-se.
Mas será tão difícil compreender tudo isto e, no caso de levarem a sério as acusações ao famigerado sistema, na opinião de muita gente, ninho de víboras e demais répteis, empreenderem uma investigação meticulosa dos casos considerados atentatórios da verdade no futebol? Ou as pessoas sentem que, no futebol como noutras áreas da vida, há um labirinto mais engenhoso que o de Dédalo, onde muita coisa se perde irremediavelmente? Se pensam assim, digam-no lealmente, seria uma forma de esclarecer que não pode haver esclarecimentos.
Caímos, deste modo, noutra suspeição, porventura mais perversa: alguns indivíduos responsáveis pelas associações futebolísticas não repudiam o sistema, são é contra o facto de não o dominarem, de não saberem como chegar ao seu âmago, naturalmente a arbitragem.
Faz-me lembrar certas posições políticas interpretadas pelos que defendem o poleiro a todo o custo e os que o desejam assaltar. A bem do povo, como se depreende, a bem do futebol, como também se calcula.»
Coragem precisa-se
«A vida do futebol, outrora orgulhosa idionomia, aliás nem sempre confirmada, mas hoje contubérnio aberto às incursões de toda a espécie de interesses e apostas positivas e negativas, mantém sobre ele um céu entenebrecido, imbrífero, ameaçador do seu bom nome.
Caem, todos os dias, desse céu, as chuvas ácidas da desconfiança, da suspeita de que os resultados, pelo menos alguns deles, são programados no secretismo de computadores selvagens como decisões administrativas e irrevogáveis, jogue-se bem ou mal. Claro que já ouvi histórias semelhantes no passado e, até, assisti a factos intrigantes, que concederam e tiraram títulos nacionais.
O meu clube, o Belenenses, do qual não falo aqui com a insistência que vejo noutras crónicas em relação a outros emblemas, protegidos e abençoados pelas audiências, que são tão vastas que me dão a ideia do país ser, agora, habitado aí por uns vinte milhões de cidadãos, o Belenenses, dizia eu, perdeu, pelo menos, um campeonato devido a misteriosos erros de arbitragem.
Ainda, outro dia, o Carlos Gomes, antigo e bom guarda-redes do Sporting, confirmou um desses lapsos no célebre jogo dos quatro minutos, nas Salésias. Carlos Gomes contou um episódio autêntico, eu poderia ir lá atrás, montado na máquina do tempo, e descobrir situações semelhantes.
Mas se nem a cruz de Cristo salvou o Belenenses de injustiças, por que razão havia eu de trazer a estes modernos tempos atitudes premeditadas ou apenas casuais impeditivas dos êxitos do Belenenses com óbvios reflexos na caminhada dos clubes?
O iconoclasmo ficou assim a manchar pessoas, o problema é saber-se se de facto as melindrou ao ponto de sentirem remorsos, creio que não uma vez que foram procedimentos ardentemente perfunctórios.
Numa comparação bélica, o soldado que mata na guerra não é considerado criminoso, é um herói, o desportista sectário com a missão de cumprir regras enquanto árbitro também pode sentir-se mobilizado para defender as suas cores.
Nada mais racional e nada mais desumano. Continua acesa a desconfiança sobre a arbitragem de jogos, mas o cultivo da onzonice não agrada ao público que, sem provas e alguém que dê a cara e preste depoimentos inequívocos, hesita entre aceitar a verdade escondida e não ligar demasiada importância às insinuações.
Agora, veio o Benfica introduzir a dúvida, sempre velha e sempre nova, numa simples frase, ingénua, na aparência, percuciente na interpretação, garantindo que a equipa será campeona se não sofrer erros de arbitragem.
É um condicionalismo imiscível com a transparência exigida pelo porta-voz do clube. Será mesmo uma forma de coacção sobre os árbitros, entretanto já coagidos. Ou apenas será um desabafo?
Mas lá temos as atitudes dúbias esvoaçando sobre os estádios. É evidente que todos sabemos a quem os benfiquistas se referem e o lugar preferencial dos atropelamentos das regras e da importante figura do grande jogo, hipoteticamente padrinho de uns tantos árbitros, mas estas coisas têm uma gravidade que não pode ser lançada em simples rajadas de dúvidas, os acusadores devem abster-se de atitudes impudentes, devem buscar provas de qualquer espécie de conluio e de as mostrar a quem tiver de julgar presumíveis réus ou, em alternativa, calarem-se.
Mas será tão difícil compreender tudo isto e, no caso de levarem a sério as acusações ao famigerado sistema, na opinião de muita gente, ninho de víboras e demais répteis, empreenderem uma investigação meticulosa dos casos considerados atentatórios da verdade no futebol? Ou as pessoas sentem que, no futebol como noutras áreas da vida, há um labirinto mais engenhoso que o de Dédalo, onde muita coisa se perde irremediavelmente? Se pensam assim, digam-no lealmente, seria uma forma de esclarecer que não pode haver esclarecimentos.
Caímos, deste modo, noutra suspeição, porventura mais perversa: alguns indivíduos responsáveis pelas associações futebolísticas não repudiam o sistema, são é contra o facto de não o dominarem, de não saberem como chegar ao seu âmago, naturalmente a arbitragem.
Faz-me lembrar certas posições políticas interpretadas pelos que defendem o poleiro a todo o custo e os que o desejam assaltar. A bem do povo, como se depreende, a bem do futebol, como também se calcula.»
Monday, November 22, 2004
Calinadas
«O testo está no site dos dragões»
«A BOLA» (22-11-2004)
«A nova face da América no Mundo – Condoleeza Rice emita percurso de Henry Kissinger no início dos anos 70»
«Diário de Notícias» on-line (17-11-2004)
«Fábio Rochemback e José Peseiro tiveram ontem frente a frente»
«A BOLA» (11-11-2004)
«Por que saiu o grande artista» [João Pinto]
Revista «DEZ» (13-11-2004)
«O testo está no site dos dragões»
«A BOLA» (22-11-2004)
«A nova face da América no Mundo – Condoleeza Rice emita percurso de Henry Kissinger no início dos anos 70»
«Diário de Notícias» on-line (17-11-2004)
«Fábio Rochemback e José Peseiro tiveram ontem frente a frente»
«A BOLA» (11-11-2004)
«Por que saiu o grande artista» [João Pinto]
Revista «DEZ» (13-11-2004)
Friday, November 12, 2004
«Os jornalistas têm um poder injusto»
Duas respostas de Jean Daniel, director do «Nouvel Observateur», que fundou e dirige há 40 anos, em entrevista ao «El Pais»:
Alguien ha dicho que el periodismo es el oficio más bello del mundo...
Puede ser la mejor profesión del mundo, pero también puede ser la peor. Los periodistas tienen un poder injusto. Medio mundo no dispone de libertad de prensa. Pero los que la tienen, a menudo, la malgastan. Libertad quiere decir responsabilidad. El poder injusto que tienen los periodistas es la capacidad de entrometerse directa o indirectamente en la vida privada de las personas y de hacer y deshacer reputaciones. Es el poder de agredir a alguien en aquello que le es más querido. Y ésta es la peor cara de nuestro oficio. Cuando hay una gran tragedia o un gran acontecimiento positivo, cuando el periodista consigue ser el gran intermediario entre la ciencia y el lector, entre el creador y el lector, entre el acontecimiento y el lector, entonces, desde un punto de vista tanto intelectual como político y de civilización, el periodismo es un gran oficio. Por qué? Porque es la única manera para aquellos que no hacen la historia de participar en ella. Están los hombres que hacen la historia, los que la sufren y los que se casan con ella; éstos, que están en medio, son los periodistas. Y es muy excitante. A los jóvenes periodistas siempre les digo que tendrán un terrible privilegio: vivir la historia al mismo tiempo que se hace.
A quién debe ser leal el periodista?
Un periodista es un hombre de carne y hueso como los demás. Por tanto, es subjetivo, tiene una familia, unas creencias, unos gustos, unos sueños, hay una ecuación personal que no se puede evitar. Lo importante es ser consciente de ello. Y a veces los periodistas no hacen el esfuerzo de conocerse a sí mismos. Por otra parte, están los principios, que pueden ser universales, pero que necesitan concreción. Yo siempre he sido partidario de los estatutos de Redacción, porque se dirigen a los periodistas y a los responsables del periódico, pero también a los lectores, que tienen derecho a decirnos: ustedes no han respetado sus compromisos. El periodismo tiene más que ver con lo verosímil que con la verdad.
Duas respostas de Jean Daniel, director do «Nouvel Observateur», que fundou e dirige há 40 anos, em entrevista ao «El Pais»:
Alguien ha dicho que el periodismo es el oficio más bello del mundo...
Puede ser la mejor profesión del mundo, pero también puede ser la peor. Los periodistas tienen un poder injusto. Medio mundo no dispone de libertad de prensa. Pero los que la tienen, a menudo, la malgastan. Libertad quiere decir responsabilidad. El poder injusto que tienen los periodistas es la capacidad de entrometerse directa o indirectamente en la vida privada de las personas y de hacer y deshacer reputaciones. Es el poder de agredir a alguien en aquello que le es más querido. Y ésta es la peor cara de nuestro oficio. Cuando hay una gran tragedia o un gran acontecimiento positivo, cuando el periodista consigue ser el gran intermediario entre la ciencia y el lector, entre el creador y el lector, entre el acontecimiento y el lector, entonces, desde un punto de vista tanto intelectual como político y de civilización, el periodismo es un gran oficio. Por qué? Porque es la única manera para aquellos que no hacen la historia de participar en ella. Están los hombres que hacen la historia, los que la sufren y los que se casan con ella; éstos, que están en medio, son los periodistas. Y es muy excitante. A los jóvenes periodistas siempre les digo que tendrán un terrible privilegio: vivir la historia al mismo tiempo que se hace.
A quién debe ser leal el periodista?
Un periodista es un hombre de carne y hueso como los demás. Por tanto, es subjetivo, tiene una familia, unas creencias, unos gustos, unos sueños, hay una ecuación personal que no se puede evitar. Lo importante es ser consciente de ello. Y a veces los periodistas no hacen el esfuerzo de conocerse a sí mismos. Por otra parte, están los principios, que pueden ser universales, pero que necesitan concreción. Yo siempre he sido partidario de los estatutos de Redacción, porque se dirigen a los periodistas y a los responsables del periódico, pero también a los lectores, que tienen derecho a decirnos: ustedes no han respetado sus compromisos. El periodismo tiene más que ver con lo verosímil que con la verdad.
Os «Empatados da Vida»
Há cerca de dois meses formou-se um grupo de jornalistas e escritores, que a si próprios se designam por «Empatados da Vida». Nenhuma relação, segundo alegam, com os famosos «Vencidos da Vida», que há mais de cem anos animaram a vida cultural e política da capital, com a sua visão crítica e polémica da sociedade do tempo. Bem vistas as coisas, diz um dos elementos desta nova tertúlia, mais vale «empatado» que «vencido»...
O grupo, que se reúne às sextas-feiras para almoçar e discutir, no restaurante da Associação 25 de Abril, é constituído por Mário Zambujal, Baptista-Bastos, Mário Ventura, José Manuel Saraiva, Fernando Dacosta, Eugénio Alves e Vítor Bandarra. Não arvoram qualquer estatuto social, profissional ou político, mas defendem o direito de criticar a sociedade portuguesa, em particular os sectores com que mais se familiarizam: o jornalismo e a literatura. Não como juízes, acentuam, mas como observadores que se exprimem, ao contrário do que acontece com a maioria dos seus concidadãos. Acham, aliás, que o momento é excepcionalmente favorável a esta actuação, tendo em conta a abundância de factos e polémicas que agitam a nossa sociedade.
Para começar, os «Empatados» escolheram o melhor e o pior do mês de Outubro. Assim, e segundo a sua óptica, Pacheco Pereira terá assinado o melhor artigo do mês (no «Público»), e José António Saraiva o pior (no «Expresso»). Merece-lhes igualmente destaque a entrevista que o empresário Belmiro de Azevedo concedeu ao semanário «Expresso».
Numa época marcada por toda a espécie de pressões, os «Empatados» recusam ser classificados como um grupo de pressão, ou sequer como «lobby» de pequena dimensão. Mas gostariam, com o seu exemplo, de contribuir para ressuscitar a velha instituição da tertúlia, como foco de diálogo e polémica, desaparecidos da sociedade portuguesa.
Para saber mais sobre eles, é preciso conhecê-los melhor, embora deixem algumas pistas: são dialogantes, adoram a controvérsia, têm a memória longa, detestam a mediocridade instalada e abominam a incompetência que tomou conta dos mais diversos sectores.
Mário Ventura
Há cerca de dois meses formou-se um grupo de jornalistas e escritores, que a si próprios se designam por «Empatados da Vida». Nenhuma relação, segundo alegam, com os famosos «Vencidos da Vida», que há mais de cem anos animaram a vida cultural e política da capital, com a sua visão crítica e polémica da sociedade do tempo. Bem vistas as coisas, diz um dos elementos desta nova tertúlia, mais vale «empatado» que «vencido»...
O grupo, que se reúne às sextas-feiras para almoçar e discutir, no restaurante da Associação 25 de Abril, é constituído por Mário Zambujal, Baptista-Bastos, Mário Ventura, José Manuel Saraiva, Fernando Dacosta, Eugénio Alves e Vítor Bandarra. Não arvoram qualquer estatuto social, profissional ou político, mas defendem o direito de criticar a sociedade portuguesa, em particular os sectores com que mais se familiarizam: o jornalismo e a literatura. Não como juízes, acentuam, mas como observadores que se exprimem, ao contrário do que acontece com a maioria dos seus concidadãos. Acham, aliás, que o momento é excepcionalmente favorável a esta actuação, tendo em conta a abundância de factos e polémicas que agitam a nossa sociedade.
Para começar, os «Empatados» escolheram o melhor e o pior do mês de Outubro. Assim, e segundo a sua óptica, Pacheco Pereira terá assinado o melhor artigo do mês (no «Público»), e José António Saraiva o pior (no «Expresso»). Merece-lhes igualmente destaque a entrevista que o empresário Belmiro de Azevedo concedeu ao semanário «Expresso».
Numa época marcada por toda a espécie de pressões, os «Empatados» recusam ser classificados como um grupo de pressão, ou sequer como «lobby» de pequena dimensão. Mas gostariam, com o seu exemplo, de contribuir para ressuscitar a velha instituição da tertúlia, como foco de diálogo e polémica, desaparecidos da sociedade portuguesa.
Para saber mais sobre eles, é preciso conhecê-los melhor, embora deixem algumas pistas: são dialogantes, adoram a controvérsia, têm a memória longa, detestam a mediocridade instalada e abominam a incompetência que tomou conta dos mais diversos sectores.
Mário Ventura
Inglesismos pernósticos
É um misto de pedantismo e ignorância este novo modismo de se pronunciar tudo à inglesa. Até palavras e expressões de origem latina entradas há muito na língua portuguesa!
«Media» (meios de comunicação social) é uma palavra latina que, ao contrário de todos os seus derivados (mediático, mediatizar, mediatizável, etc.), não encontrou ainda o consenso de lexicólogos e dicionaristas.
Por esta razão: a grafia aportuguesada média, como já regista o recentíssimo «Grande Dicionário da Língua Portuguesa» da Porto Editora, levanta reservas por não haver precedentes de palavras no plural terminadas em «a», na nossa língua. Seja, porém, na variante original latina («media») ou na aportuguesada, aquele «e» lê-se sempre /é/. Tanto em latim como em português.
Dizê-lo como os anglófonos é fazer tábua rasa, inclusive, ao modo como os americanos (vide o «Webster's Condensed Dictionary of the English Language» de 1891, Londres) foram buscar o seu actual «mídia»: precisamente ao latim «medium» (/médiùm/), cujo plural é «media» (/médià/).
O modismo pernóstico lá se voltou a ouvir nas duas últimas rondas de audições da Alta Autoridade para a Comunicação Social, por parte dos administradores principais da Media Capital e da Lusomundo Multimédia, e por alguns telejornalistas, reportando o acontecimento.
Não se percebe é a razão de (todos eles, já agora...) não inglesarem, também, a pronúncia de Capital e Lusomundo!
Outras palavras e expressões ridículas e despropositadamente pronunciadas à inglesa: «/aiten/» (em vez de item), «/saine die/» (em vez de «sine die»), «/saibercafé/» (o comezinho cibercafé...), «/Al-Qaeda/» (que deve dizer-se /Alcaida/), etc., etc., etc.
José Mário Costa
É um misto de pedantismo e ignorância este novo modismo de se pronunciar tudo à inglesa. Até palavras e expressões de origem latina entradas há muito na língua portuguesa!
«Media» (meios de comunicação social) é uma palavra latina que, ao contrário de todos os seus derivados (mediático, mediatizar, mediatizável, etc.), não encontrou ainda o consenso de lexicólogos e dicionaristas.
Por esta razão: a grafia aportuguesada média, como já regista o recentíssimo «Grande Dicionário da Língua Portuguesa» da Porto Editora, levanta reservas por não haver precedentes de palavras no plural terminadas em «a», na nossa língua. Seja, porém, na variante original latina («media») ou na aportuguesada, aquele «e» lê-se sempre /é/. Tanto em latim como em português.
Dizê-lo como os anglófonos é fazer tábua rasa, inclusive, ao modo como os americanos (vide o «Webster's Condensed Dictionary of the English Language» de 1891, Londres) foram buscar o seu actual «mídia»: precisamente ao latim «medium» (/médiùm/), cujo plural é «media» (/médià/).
O modismo pernóstico lá se voltou a ouvir nas duas últimas rondas de audições da Alta Autoridade para a Comunicação Social, por parte dos administradores principais da Media Capital e da Lusomundo Multimédia, e por alguns telejornalistas, reportando o acontecimento.
Não se percebe é a razão de (todos eles, já agora...) não inglesarem, também, a pronúncia de Capital e Lusomundo!
Outras palavras e expressões ridículas e despropositadamente pronunciadas à inglesa: «/aiten/» (em vez de item), «/saine die/» (em vez de «sine die»), «/saibercafé/» (o comezinho cibercafé...), «/Al-Qaeda/» (que deve dizer-se /Alcaida/), etc., etc., etc.
José Mário Costa
Wednesday, November 10, 2004
ANTÓNIO LOBO ANTUNES
Nasceu numa família da grande burguesia portuguesa, licenciou-se em medicina, com especialização em psiquiatria. Exerceu a profissão no Hospital Miguel Bombarda, em Lisboa, dedica-se à escrita desde 1985. A sua experiência na guerra colonial, em Angola, como médico do exército português durante 27 meses (1971 a 1973), marcou fortemente os seus três primeiros romances.
Em termos temáticos, a sua obra prossegue com a tetralogia constituída por «A Explicação dos Pássaros», «Fado Alexandrino», «Auto dos Danados» e «As Naus», na qual o passado de Portugal, dos Descobrimentos ao processo revolucionário de Abril de 1974, é revisitado numa perspectiva de exposição dos tiques, taras e impotências de um povo, ao longo dos séculos ocultados em nome de uma versão heróica e epopeica da história.
Segue-se a trilogia «Tratado das Paixões da Alma», «A Ordem Natural das Coisas» e «A Morte de Carlos Gardel» (o chamado «ciclo de Benfica»), revisitação de geografias da infância e da adolescência do escritor (o bairro de Benfica, em Lisboa). Lugares nunca pacíficos, marcados pela perda de mitos e afectos do passado e pelos desencontros, incompatibilidades e divórcios nas relações do presente, numa espécie de deserto cercado de gente que se estende à volta das personagens.
António Lobo Antunes começou por utilizar o material psíquico que tinha marcado toda uma geração: os enredos das crises conjugais, as contradições revolucionárias de uma burguesia empolgada ou agredida pelo 25 de Abril, os traumas profundos da guerra colonial e o regresso dos colonizadores à pátria primitiva. Isto permitiu-lhe, de imediato, obter reconhecimento junto dos leitores, mas não foi suficientemente acompanhado pelo lado da crítica. As desconfianças em relação a um estranho que se intrometia no meio literário, a pouca adesão a um estilo excessivo que rapidamente foi classificado de «gongórico» e o próprio sucesso público contribuíram para alguns desentendimentos que, no entanto, começaram a desvanecer-se com a repercussão internacional (em particular em França) da sua obra.
Ultrapassado este jogo de equívocos, António Lobo Antunes tornou-se um dos escritores portugueses mais lidos, vendidos e traduzidos em todo o Mundo. Pouco a pouco, a sua escrita concentrou-se, adensou-se, ganhou espessura e eficácia narrativa. De um modo impiedoso e obstinado, os seus livros traçam um dos quadros mais exaustivos e sociologicamente pertinentes do Portugal do século XX.
A sua obra prosseguiu numa contínua renovação linguística, tendo os seus últimos romances («Exortação aos Crocodilos», «Não Entres Tão Depressa Nessa Noite Escura», «Que Farei Quando Tudo Arde?», «Boa Tarde Às Coisas Aqui em Baixo»), bem recebidos pela crítica, marcado definitivamente a ficção portuguesa dos últimos anos.
«Eu Hei-de Amar Uma Pedra» é o último livro de António Lobo Antunes, ontem apresentado pela D. Quixote, em Lisboa. Paralelamente, foi lançada uma fotobiografia do autor de «Memória de Elefante», com assinatura de Teresa Coelho. É tempo de uma pausa para a leitura destes livros. Afinal, «saber ler é tão difícil como saber escrever...»
Nasceu numa família da grande burguesia portuguesa, licenciou-se em medicina, com especialização em psiquiatria. Exerceu a profissão no Hospital Miguel Bombarda, em Lisboa, dedica-se à escrita desde 1985. A sua experiência na guerra colonial, em Angola, como médico do exército português durante 27 meses (1971 a 1973), marcou fortemente os seus três primeiros romances.
Em termos temáticos, a sua obra prossegue com a tetralogia constituída por «A Explicação dos Pássaros», «Fado Alexandrino», «Auto dos Danados» e «As Naus», na qual o passado de Portugal, dos Descobrimentos ao processo revolucionário de Abril de 1974, é revisitado numa perspectiva de exposição dos tiques, taras e impotências de um povo, ao longo dos séculos ocultados em nome de uma versão heróica e epopeica da história.
Segue-se a trilogia «Tratado das Paixões da Alma», «A Ordem Natural das Coisas» e «A Morte de Carlos Gardel» (o chamado «ciclo de Benfica»), revisitação de geografias da infância e da adolescência do escritor (o bairro de Benfica, em Lisboa). Lugares nunca pacíficos, marcados pela perda de mitos e afectos do passado e pelos desencontros, incompatibilidades e divórcios nas relações do presente, numa espécie de deserto cercado de gente que se estende à volta das personagens.
António Lobo Antunes começou por utilizar o material psíquico que tinha marcado toda uma geração: os enredos das crises conjugais, as contradições revolucionárias de uma burguesia empolgada ou agredida pelo 25 de Abril, os traumas profundos da guerra colonial e o regresso dos colonizadores à pátria primitiva. Isto permitiu-lhe, de imediato, obter reconhecimento junto dos leitores, mas não foi suficientemente acompanhado pelo lado da crítica. As desconfianças em relação a um estranho que se intrometia no meio literário, a pouca adesão a um estilo excessivo que rapidamente foi classificado de «gongórico» e o próprio sucesso público contribuíram para alguns desentendimentos que, no entanto, começaram a desvanecer-se com a repercussão internacional (em particular em França) da sua obra.
Ultrapassado este jogo de equívocos, António Lobo Antunes tornou-se um dos escritores portugueses mais lidos, vendidos e traduzidos em todo o Mundo. Pouco a pouco, a sua escrita concentrou-se, adensou-se, ganhou espessura e eficácia narrativa. De um modo impiedoso e obstinado, os seus livros traçam um dos quadros mais exaustivos e sociologicamente pertinentes do Portugal do século XX.
A sua obra prosseguiu numa contínua renovação linguística, tendo os seus últimos romances («Exortação aos Crocodilos», «Não Entres Tão Depressa Nessa Noite Escura», «Que Farei Quando Tudo Arde?», «Boa Tarde Às Coisas Aqui em Baixo»), bem recebidos pela crítica, marcado definitivamente a ficção portuguesa dos últimos anos.
«Eu Hei-de Amar Uma Pedra» é o último livro de António Lobo Antunes, ontem apresentado pela D. Quixote, em Lisboa. Paralelamente, foi lançada uma fotobiografia do autor de «Memória de Elefante», com assinatura de Teresa Coelho. É tempo de uma pausa para a leitura destes livros. Afinal, «saber ler é tão difícil como saber escrever...»